segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Borboletas no estômago (Parte II)

- Mas por que você não contou tudo pra ela, cara? - Ricardo me olhava pasmo.
- Não deu, cara! Não deu! - Foi a única coisa que me ocorreu dizer. (Na verdade, nem eu acreditava que a minha covardia tivesse justificativa.) - No fundo, no fundo, eu queria ter chegado nela e... Ah, sei lá! Nem sei mais o que eu devia ter feito!
- Marcelo, você tava com ela sozinho em casa, os dois assim, pertinho um do outro, estudando a droga da matemática e não te passou pela cabeça fazer um carinho que fosse nela? Dá licença! - Ricardo parecia mais e mais inconformado.
- Você acha que é fácil, Ricardo? - Tentei argumentar.
- Fácil pode não ser, mas também não é difícil... - Disse Ricardo, dando uma bela dentada na esfiha que havia comprado na cantina. Bebericou um gole de coca-cola e continuou: - Se você tivesse chegado nela, como quem não quer nada... Podia perguntar se ela tava sozinha, se ela tava gostando de alguém... Tipo, papo de amigo, confidência, entendeu?
- Olha bem pra minha cara, Ricardo! - Eu comecei. - Tá escrito na minha testa MASOQUISTA? Tá? E se eu pergunto tudo isso que você falou e ela diz que gosta de outro? Como é que eu ia ficar?
- Ah, pelo menos você desencanava, véi! - Respondeu, dando outra mordida na suculenta esfiha. Filho da mãe, eu naquela angústia toda, pensando na minha falta de coragem em contar pra Carina o que eu sentia e ele nem pra me oferecer uma mordida! Putz, eu tava apaixonado mas também tava com fome! Ele mastigou mais um pouco, pensou mais um tanto e continuou: - Agora, se quer saber, eu acho que se você continuar marcando, ela vai acabar arranjando outro carinha e te deixar chupando o dedo!
- Será? - Perguntei, sentindo o meu estômago revirando, só que dessa vez, de angústia.
- Cê tem alguma dúvida? Você acha que uma menina ajeitada como a Carina, não tem uma porção de neguinho dando em cima? Se você não chegar junto logo, outro vem e crau! - Ricardo fez uma careta e cuspiu uma azeitona longe. - Credo, detesto azeitona!
Dei uma olhada no relógio. Tinha mais dez minutos de intervalo. Seria tempo suficiente pra conseguir falar com a Carina. Ou pelo menos tentar... Abrir o coração ou, chegar junto, como o Ricardo costumava falar. Respirei fundo. Peguei o copo de coca-cola da mão do Ricardo (que naquela altura já estava no segundo salgado e não me ofereceu. Pra variar, né?), tomei um gole grande, que quase me fez engasgar e saí procurando pela Carina.
-Ô, Marcelo! - Gritou Ricardo. - Onde cê vai?
Virei rápido na direção dele, fazendo um gesto com a mão de "Güenta aí, que eu já volto!" Eu sentia uma energia diferente correndo por todo o meu corpo, como se eu estivesse ligado numa tomada de 220 volts. Só de pensar que naquele instante, em qualquer canto da escola, havia um cara disposto a tentar ficar com a Carina, a tentar namorar com ela, me deixava elétrico, furioso e... desesperado, claro! Atravessei o pátio lotado olhando em todos os lugares possíveis e imagináveis onde a Carina poderia estar. Meu coração batia depressa. Olhei o relógio: só mais cinco minutos! Putz! Eu continuava olhando tudo. Afobado, suado, desesperado, como se o destino da humanidade estivesse nas minhas mãos. (Menos, Marcelo!) Mas era o meu futuro que estava em jogo, né? Se alguma coisa desse errado, teria as mesmas proporções de uma hecatombe nuclear! Já estava quase a ponto de berrar o nome dela, quando então...
Ali estava ela... Em meio a tantas garotas, a número um. A única. A garota que era a razão pela qual eu gostava tanto de ir pra escola ultimamente... Senti um imenso alívio ao vê-la conversando com as outras garotas da nossa classe. Ela ria gostoso e parecia que o sorriso dela, refletia a luz do sol e iluminava a tudo e a todos. Se ela tivesse sorrido antes, eu teria encontrado aquele sorriso em meio a bilhões e bilhões de outros sorrisos!
Aquela sensação de eletricidade, foi rapidamente substituída por um formigamento gostoso, como se os meus poros pipocassem de paixão. Senti as pernas e os braços moles, como se pudesse levitar a qualquer momento. Dizem que, quando a gente ama, a sensação mais marcante que se tem, é a de que o nosso estômago parece ficar cheio de borboletas, que ficam ali, confinadas, voando, voando... Bom, se aquilo era verdade, se as borboletas no meu estômago escapassem naquele instante, elas iriam colorir a escola inteira!
Carina virou o rosto e seu olhar encontrou ou meu. Esperava que ela abrisse o sorriso mais lindo do mundo, mas ela me olhou ressabiada. Com certa desconfiança. Aquilo me partiu em mil pedaços. As amigas dela, vendo a expressão fechada em seu rosto, olharam também na minha direção. Uma delas cochichou alguma coisa pra Carina, que continuava me encarando com certo estranhamento. Fiz um gesto de "posso falar com você?". As meninas continuaram me olhando, como se eu fosse a coisa mais estranha na face da Terra. Carina cochichou alguma coisa pra elas e veio ao meu encontro. Veio depressa, como se não estivesse muito satisfeita em interromper a conversa com as amigas. A sensação de sonho, de leveza e até mesmo todas as borboletas que eu carregava no meu estômago, pareceram desaparecer por completo.
- Fala, Marcelo... - Disse ela, com secura.
Peraí! "Fala, Marcelo..." ? E aquela abreviação que eu tanto gostava de ouvir? (Por favor, diz! Diz que eu quero ouvir!) Tentei não me abalar. Primeiro, porque ela não parecia disposta a ficar muito tempo ali, me ouvindo. E segundo, porque o tempo de que eu dispunha era curtíssimo.
- E então, Marcelo? O que você quer falar comigo? - Perguntou séria.
- Você... - (Não gagueja, mané! Não gagueja!) - ...você deve tá me achando um tremendo otário, né?
- Por quê? - A pergunta dela soou sem nenhuma emoção. Eu não sentia mais doçura na voz dela. Aquela doçura que sempre me encantou...
- Ah, eu me comportei feito um babaca ontem... Você tentando falar comigo, e eu viajando, pensando em outras coisas...
- Pois é... - Concordou ela, cada vez mais seca. - Nem sei o que eu fui fazer lá na tua casa... Eu ficava falando, você fingia que escutava, eu achava que tava conseguindo te ensinar aquela droga de equação... Realmente, parece que ontem a gente não tava na mesma sintonia, né?
- É, você tem razão... - Concordei, ficando vermelho. - Você tem todos os motivos do mundo pra me achar um lesado, um tonto mas eu só queria que você entendesse... - Senti que minha garganta queria fechar.
- Entender o quê? - Perguntou e, eu notei que a sua testa franziu.
- Se eu tava daquele jeito, é porque tinha uma razão... - Minha garganta se apertava gradativamente, como se a mão invisível de alguém tentasse me estrangular. - E eu queria que você entendesse que...
- Você tá sendo repetitivo, Marcelo. Se você não disser, como eu vou entender? - Interrompeu com certa irritação.
- É, cê tá certa... - Concordei, ficando ainda mais vermelho. - Eu queria que você soubesse que eu só...
UÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!!!!
O sinal anunciando o final do intervalo tocou estridente por toda a escola, fazendo os outros alunos ficarem alvoroçados e Carina super impaciente.
- Vai, fala logo, Marcelo! Eu preciso terminar de contar um negócio pras minhas amigas! - Apressou.
Vai, Marcelo! Coragem, cara! Diz pra ela que você não pensa em mais nada a não ser nela! Enchi os pulmões com todo o ar possível, tentando me livrar da mão invisível que continuava me sufocando e, quando fui dizer tudo, meu cérebro pareceu me trair e, a frase que saiu, foi a mais imbecil do mundo:
- Você pode ir lá em casa de novo? Eu preciso de uma ajuda com a matéria de química...
Socorro! Química?! Eu quis gritar, eu quis ter uma perna elástica pra dar um grande chute no meu saco e ficar rolando no chão, de tanta dor! E o "Eu te amo"? Onde você o enfiou? Não, não quero nem saber!
Carina me olhou de esguelha, como se me examinasse. Por fim, perguntou, um tanto pasma:
- Era só isso?
- É... - Bufei, com ódio de mim mesmo. - E vai ser bom, porque a gente pode conversar com mais calma...
- Você não merece, mas eu vou fazer uma nova tentativa... - E quando ela terminou de dizer isso, um sorriso gostoso se iluminou em seu rosto. Como se ela dissesse que, apesar de tudo, de eu ser um total e completo imbecil, ela não conseguia sentir raiva de mim. Mas eu tava morrendo de ódio de mim! Da minha total falta de coragem! Burro! - Então tá combinado... Hoje à tarde na tua casa. Agora deixa eu ir... Daqui a pouco a gente se fala na classe.
Ela começou a se afastar e, quando o segundo sinal tocou e a algazarra dos outros alunos ficou ainda maior, juntei todas as forças que tinha e berrei, louco:
- EU AMO VOCÊ, CARINA!!!!!
Carina parou por um instante. Senti como se um raio tivesse me atingido em cheio. Recuei, apavorado, gelado, abobado e quase mijado e cagado! "Será que ela ouviu, meu Deus? Tô fu...!" Pensei em pânico. Carina se virou devagar e me encarou séria. Mesmo com toda aquela algazarra, eu consegui ouvi-la perfeitamente:
- O que foi que você disse?
Dei um suspiro aliviado. Não, ela não ouviu... Estava salvo. Pelo menos por enquanto. Achei que ela fosse virar as costas e ir embora, mas ela tornou a perguntar, me deixando meio sem saída:
- O que foi que você disse, Marcelo?
Pensei rápido:
- Eu disse que mais tarde a gente se vê...
- Ah, tá... - Ela pareceu satisfeita com a minha resposta.
"Idiota!" Pensei, já imaginando o quanto Ricardo ia me pilhar quando me encontrasse. Desanimado, fui deixando o pátio já quase vazio, enquanto via Carina ao longe com suas amigas. As borboletas no meu estômago pareceram se encolher de tanta decepção.
Realmente, eu era um covarde de pai e mãe!
(Continua)

2 comentários:

  1. Quero logo a continuação rsrsrs.
    Fiquei muito curiosa pra saber o restante desse conto que tem uma narrativa enérgica e jovial que prende a atenção de quem lê.
    Que Marcelo crie coragem para dizer do amor que sente.
    Adorei Lucas!

    Beijos.

    ResponderEliminar