quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Borboletas no estômago (Parte III)

Como eu já esperava, a primeira coisa que o Ricardo veio perguntar assim que entrei na classe, era se eu havia conseguido falar com a Carina. Contei pra ele da nossa conversa, inclusive, a forma estranha como ela havia me tratado. E como eu já esperava, ele ficou puto comigo:
- Cara, mas você é mesmo um mané! - Cochichou, me dando um cascudo pra lá de doído.
- Ai, ai, ô! - Reclamei, massageando a cabeça. - Que culpa eu tenho se me faltou coragem? Te juro, meu! Eu quase falei, mas na hora, acabou saindo outra coisa completamente diferente!
- É, zé mané? E o que foi que saiu? - Perguntou Ricardo impaciente.
- Pedi pra ela me ajudar com química... - Falei baixo e desanimado.
- Marcelo, como tu é original, rapaz! - Ironizou. - Você tem cara de pedir pra uma mina como a Carina te ensinar química, matemática e o escambau, mas na hora de pedir um beijo... - Ricardo nem continuou. Ele tava tão chapado comigo, que se pudesse, ele me dava uma surra ali, na frente de todo mundo. Tentei reagir:
- E quem você pensa que é pra falar desse jeito, cara? - Disparei. - Até parece que você é o conquistador número um escola!
- Número um, não... - Disse ele, se emproando todo. - Mas o número dois, com toda certeza eu sou! - E riu gostoso.
- Ah, tá! Falou o galã! - Debochei, rindo também.
- Não, mas agora é sério, Marcelão: você tem que tomar uma atitude, meu! - Aconselhou Ricardo dando uns tapinhas nas minhas costas. - Você vai deixar pra falar com a Carina na hora em que ela tiver ficando com outro?
- Você já me disse isso na hora do intervalo, lembra? - Falei.
- Lembro. Mas parece que você não levou nem um pouquinho à sério... - Respondeu Ricardo torcendo o nariz pra mim. E me puxou pra mais perto, como se estivesse pra me contar um segredo de estado: - Agora eu vou te falar um negócio... Eu não devia me meter, mas como tu é meu amigo, acho que eu tenho que te avisar.
- Nossa, o que foi? - Meu coração pareceu se encolher.
- A Flávia me contou que o Labate... Você conhece o Labate, né? - Perguntou, interrompendo a revelação que estava prestes a fazer. Se ele havia sabido de alguma coisa pela Flávia, eu podia confiar. A Flávia era a melhor amiga da Carina e, de uns tempos pra cá, estava ficando com o Ricardo.
- O Cristiano Labate, da oitava C? - Perguntei, sentindo o coração se encolher ainda mais.
- Esse mesmo! - Disse Ricardo. E me puxando pra mais perto, cochichou: - A Flávia me contou que ele anda dando umas migué, querendo saber se a Carina tá com alguém... Ela falou que ele adicionou a Carina no orkut, no msn...
- E a Carina? - A pergunta veio quase estrangulada. Meu coração ficou menor que um grão de feijão, mas pulsava com tanta violência, que doía no peito. - A Carina tá curtindo?
- Ah, isso ela não falou, não... - Respondeu Ricardo, como que encerrando o assunto. Filho da mãe! Se era pra contar a história só pela metade, era melhor não ter contado! Meu estômago se revirou dez, quinze, vinte vezes. Não, não eram as borboletas, mas o medo de perder a Carina pra outro. E que outro! Se a Carina decidisse ficar com ele, seria fácil de entender... O Cristiano Labate era o cara! Podia não ser muito bom quando abria a boca, pois tinha uns papinhos nada a ver, mas verdade seja dita, ele era o sonho de consumo da metade das meninas da escola. Nós, os pobres e meros garotos, parecíamos deixar de existir quando ele estava por perto. Dei um suspiro sentido. Não havia a menor chance! O cara estava em vantagem: sabia como chegar numa menina, já estava conversando com a Carina no msn... Talvez até... Não. Eu não queria acreditar no que me passou pela cabeça. E... "SE ELES JÁ ESTIVEREM FICANDO???????????"
- O que foi, Marcelão? - Perguntou Ricardo, vendo minha cara de derrota.
- E você ainda fica me incentivando a chegar na Carina... - Murmurei, sentindo um nó na garganta, uma vontade doida de chorar. Dei uma espiada na fileira de carteiras perto da janela. Carina copiava a matéria compenetrada, até que largou a caneta por alguns instantes e soltou a presilha que segurava aquele cabelo lindo num rabo de cavalo. Aqueles cachos pareceram dançar por estarem livres, soltos. Ela então, virou a cabeça e, por um breve momento, seus olhos encontraram os meus. Fiquei perdido na imensidão daqueles olhos, sentindo uma vontade louca de desaparecer dentro deles, até chegar ao coração dela. Carina me observou séria. "O que ela ia ver num cara como eu?" Pensei, sentindo o peito ardendo. Talvez porque pudesse ler pensamentos, ou porque a minha cara de cachorro sem dono parecia evidente demais, ela pareceu achar graça de alguma coisa, abrindo aquele sorriso cada dia mais lindo. Fez um aceno pra mim, pegou a caneta e recomeçou a copiar a matéria.
- Corre enquanto é tempo, Marcelão... - Aconselhou Ricardo, que ficou observando nós dois. - É melhor arriscar do que ficar chupando o dedo depois!
- Acho que já era, Ricardo... - Comentei, dando um suspiro desanimado, derrotado. - O Labate é mil vezes melhor do que eu...
- Deixa de falar abobrinha, ô! - Disse impaciente. - O Labate pode ser bonitão, pode ficar com qualquer menina, mas você acha que a Carina vai preferir ele do que você?
- É óbvio, né? - Respondi.
- Larga mão, Marcelo! - Disse Ricardo. E eu notei que ele ia agora tentar levantar a minha moral: - Você é gente fina, inteligente... - Ele ficou em silêncio por alguns segundos, e considerou: - Tá certo que, você não é bonitão como o Labate, que não faz muito sucesso com as meninas, mas... e daí? Tenho certeza de que se a Carina pudesse escolher, ela ia escolher você!
- Ainda bem que você me anima! - Disse achando graça.
- Mas é verdade! Você e a Carina formam um casal bacana. Vai ser mancada se vocês não acabarem ficando juntos... - E mudando o tom, disse: - Agora, eu só não entendo uma coisa...
- O quê? - Perguntei curioso.
- Como é que, a Carina, sendo tão inteligente, foi cair nesse seu papinho de tá mal em matemática e química? Você é tão ou mais cdf que ela!
- Sei lá! - Respondi. - Achei que valia a pena arriscar...
E rimos baixinho. Senti então, que um par de olhos nos observava com atenção. Como os de uma águia no topo de uma árvore observando a presa distraída, no solo. Ricardo e eu vimos o professor Giroto, de química, nos olhando sério, com a boca retorcida e as mãos na cintura de barril. Pior do que isso, foi ver que toda a classe também nos olhava, dando risinhos disfarçados, achando graça. O professor Giroto era assim: ensinava química como ninguém. Tolerava que, os alunos debatessem durante a aula, mas somente coisas relacionadas à matéria. Agora, quando ele estava passando a matéria no quadro, o silêncio tinha que imperar. Do contrário, ele parava, punha as mãos na cintura e ficava olhando para o aluno que estivesse conversando até o infeliz se tocar. Quando era só isso, tudo bem. Mas naquele dia, quando ele viu o Ricardo e eu aos cochichos, não se conteve em comentar maldoso:
- Meus amores! Vamos deixar pra discutir a relação fora da sala de aula? - Disse irônico e venenoso. A classe inteira explodiu em risadas. Foi a maior zoação! Ricardo resmungou alguma coisa, pegou o caderno e começou a copiar a matéria. Fiquei vermelho feito um pimentão. Não pelo comentário do Giroto. Com isso eu já tava acostumado. Mas depois fiquei pilhado, pensando se por um acaso alguém tinha ouvido a gente falar da Carina.
- Discutir a relação! - Resmungou Ricardo. - Ele acha que todo mundo é baitola igual ele!
Sufoquei o riso. Comecei a copiar a matéria, lembrando com desânimo que ia ter que aguentar o mala daquele professor mais quarenta e cinco minutos. Aula dupla de química em plena sexta-feira, ninguém merece!
À medida que o tempo foi passando, a galera foi se esquecendo da brincadeira que o Giroto fez comigo e com o Ricardo. Quem parecia não ter esquecido ainda era o Ricardo. Sempre que levantava os olhos pra copiar a matéria no quadro, ele dava uma olhada feia pro Giroto, como se quisesse matá-lo só com o olhar. Rabiscando alguma coisa no canto da folha, ele falou entredentes:
- Sacana! Zoando com a sexualidade dos outros assim! - E dizendo isso, bufou forte. - Se não fosse um mico federal pai ou mãe vir na escola pra reclamar, eu contava pros meus pais o que esse mala sem alça e sem rodinha disse!
- Desencana, Ricardo! - Aconselhei baixinho. - Era só zoeira...
- Hum! - Deu um muxoxo contrariado. Achei melhor deixar pra lá. Quando o Ricardo ficava bravo, o jeito era deixar quieto. Ele só se animou de novo, durante a aula de Artes, as duas últimas. Enquanto dona Malu tentava ensinar pra classe pela enésima vez, como se fazia o origami de um cisne, Ricardo tornou a tocar no assunto que eu estava tentando evitar:
- Olha, Marcelão! É hoje ou nunca mais, hein? - Disse, incentivando.
- Tá bom, Ricardo... Tá bom... - Respondi num suspiro, enquanto percebia desanimado, que a minha dobradura parecia tudo, menos um cisne.
O sinal tocou pontualmente às 13h15 e, como era de se esperar, a turma toda fez a maior bagunça pra sair. Estiquei o pescoço tentando ver se ainda pegava a Carina e confirmar com ela a nossa aula particular de hoje à tarde. Ela parecia apressada. Foi pegando fichário, apostilas, estojo, blusa, tudo de qualquer jeito e foi saindo. Só o Ricardo e eu continuamos ali, guardando nossas coisas devagar, sem pressa. Ele estava super empolgado, fazendo mil planos pro sábado à noite:
- Se tudo der certo, a gente podia ir amanhã no Bananarama, né? - Sugeriu. - Já pensou, Marcelão? Eu e a Flávia e você e a Carina? Ia ser bom demais!
- Ou, se tudo der errado, amanhã eu vou estar trancando no meu quarto, chorando e com uma vontade louca de cortar os pulsos! - Comentei deprimido.
- Larga mão, Marcelo! - Censurou Ricardo me dando outro daqueles cascudos super doloridos. - Fica com esse papo de emo, meu! Coisa mais sem noção...
Achei graça. Já estávamos saindo quando dei uma última olhada pra carteira vazia da Carina e notei algo.
- Espera só um pouco, Ricardo... - Disse, largando minhas coisas em cima de uma cadeira e indo até a carteira vazia da Carina. Embaixo da cadeira, num suporte onde se costuma guardar os cadernos e apostilas, havia uma agenda com uma carinha sorridente em alto relevo. Abri a primeira página e vi o nome dela escrito naquela letra redonda e bem feita. Ricardo assim que me viu com a agenda na mão, correu pra mim.
- Caraca, Marcelão! - Disse espantado. - A mina esqueceu a agenda! Vai! - Falou me dando um empurrão. - Abre aí pra gente dar uma espiada!
- Cê tá louco, Ricardo? - Perguntei com espanto. - Cê acha que eu vou ficar fuçando na agenda dela, assim, na cara larga?
- Ah, Marcelo! - Começou Ricardo. - Não sacrifica, meu! Quando que alguém tem uma sorte como a tua? Você sabe o que é isso?
Fiz uma cara debochada de lesado pra ele.
- Hã... uma agenda? - Perguntei numa voz molenga.
- Não, cara! - Começou Ricardo, olhando pra agenda como quem olha um tesouro. - Isso daí, meu, é a resposta pra todas as tuas perguntas! Se ela escreveu alguma coisa de você, com certeza tá aí dentro!
- E você acha que eu vou espionar a vida dela, ô? - Argumentei, embora no fundo no fundo, eu sentia uma vontade louca de fazer justamente o contrário.
- Se você não der uma espiadinha que seja, então você é muito otário, meu! - Disse Ricardo impaciente. - Você não tá arrancando a roupa dela... Você só tá se informando, do que ela gosta... de QUEM ela gosta...
- Hum... não sei não... - Disse confuso.
- Se você acha que não vale a pena, então, paciência... - E terminando de dizer isso, ele pegou suas coisas e foi saindo, me deixando ali, sozinho.
Em meio ao silêncio que pairava por toda a escola, fiquei observando a agenda. Meus dedos formigavam de prazer, como se, ao invés de uma simples agenda, eu estivesse tocando a pele branca e perfumada da Carina. Abri a primeira página e olhei novamente os dados pessoais que ela cuidadosamente preenchera. Idade, tipo sanguíneo, endereço, era alérgica a quê, etc, etc. Tive o ímpeto de passar para a página seguinte. Meu coração batia alucinado, emocionado com aquela experiência quase que, transcendental.
Como se tivesse caído em mim, fechei rapidamente a agenda, peguei minhas coisas e fui saindo.
Não, eu não ia ler a agenda da Carina.
Pelo menos, não ali...
(Continua)

1 comentário:

  1. Lucas continua cheio de energia, humor, mistério...
    Gostei bastante e fiquei muito curiosa pra saber se Marcelo vai ler a agenda de Carina ou vai devolvê-la e criar coragem de dizer sobre seu amor sem precisar ler a agenda dela, aguardo a próxima parte.

    Grande Beijo.

    ResponderEliminar