sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Com carinho...

Queridos amigos,


Foi com muita alegria que recebi este lindo presente da minha querida amiga e maninha do coração Gaby (http://uma-doce-melodia.blogspot.com/). Maninha querida, muito obrigado por se lembrar de mim e por toda a atenção que você dispensa a tudo o que escrevo!

Primeiro Selo:






Regras:

1º Repassar o selo para 15 blogs;
2º Avisar para cada blogueiro que receber;
3º Responder as perguntas.

Então vamos às perguntas, né?


Nome: Lucas Rafael Jardim
Uma música: The man who can't be moved - The Script
Dez coisas sobre mim:

1- Ler, escrever e ouvir música, são coisas fundamentais na minha vida. Se não tiver os três, não sou nada.
2- Amo a natureza e as coisas simples da vida.
3- Não faço o tipo cidadão do mundo. Viajar não é o tipo de coisa que me fascina.
4- Sou louco por chocolate (Mas quem não é, né?)
5- Embora possa parecer o contrário - e por mais clichê que isso possa soar - ainda acredito que o mundo pode sim, se tornar um lugar melhor e mais justo pra todos. Acho que só precisamos aprender a nos enxergar no próximo. Se enxergássemos no próximo o nosso próprio coração, com certeza não haveriam tantas lágrimas no mundo. Afinal, quem em sã consciência é capaz de magoar e ferir a si próprio?
6- Sou nostálgico. Gosto de revisitar o passado. Somente as coisas que foram boas, que fique bem claro!
7- Sou inconformado com a facilidade com que as pessoas se perdem umas das outras.
8- Detesto areia da praia. Pisar nela, só com bota sete léguas!
9- Gosto de me dar um minuto para meditar, rezar, agradecer por todas as bençãos e pelo simples fato de estar nesse mundo, uma verdadeira escola.
10-Gosto das reticências. Aqueles três pontinhos, sabe? Numa lista tão pequena como essa, só deixando mesmo subentendido o quanto me maravilha o fato de viver e de gostar de tantas coisas em tão pouco tempo...

HUMOR: Como todo mundo, tenho meus altos e baixos. Às vezes acordo achando o dia radioso, às vezes cinza e agourento. Mas no geral, procuro encontrar o lado positivo de tudo. Gosto de fazer as pessoas rirem e, mesmo quando estou de mal-humor, não deixo transparecer e muito menos fico dando patada em quem não tem culpa...
UMA COR: Preto (Porque faz a gente parecer menos gordo!) ou Azul.
COMO PREFERE VIAJAR: Sem sair do lugar. Eu sei que é outro clichê, mas pra quem não considera a possibilidade de entrar num avião e muito menos num navio, com a imaginação a viagem é bem mais segura, né?
UM SERIADO: Ghost Whisperer. Acho o máximo ela ajudar os mortos a fazerem a travessia. Particularmente, adoraria ter esse dom...
PALAVRA MAIS DITA POR MIM: Putz! Mas dependendo da situação, algumas são até impublicáveis! (Brincadeirinha!)

E então, o que achou do selo? Eu adorei.

Passo esse selo para os blogs:

sábado, 1 de janeiro de 2011

Borboletas no estômago (Parte Final)

O corredor que ia dos quartos até a sala era relativamente curto, mas me pareceu ter léguas de distância. Naquele momento, eu me sentia como na final de um torneio de futebol interclasses da escola. Numa expectativa e numa ânsia quase que desesperada em saber o resultado final de tudo aquilo. Receoso de que, um passo em falso dado, pudesse comprometer tudo para sempre, que acabasse com qualquer chance que eu tivesse.
Parecia ridículo comparar uma declaração de amor com um torneio de futebol da escola, mas era com essa perspectiva que eu encarava aquele momento. A descarga de adrenalina que eletrizava todo o meu corpo, me empurrando pro lance final. "Coragem, Marcelo!" reboou mais uma vez aquele grito de incentivo dentro de mim, como se me empurrasse por aquele corredor. Minha confiança estava nas alturas. Meu desejo de abrir o coração me fazia o mais forte e valente dos caras. Nada podia me impedir. Nada. Até que...
- Oi... - Disse ela, abrindo aquele sorriso lindo.
Estaquei assim que a vi. Putz, ali estava ela... Sentada no sofá, com os livros e cadernos no colo. Cabelos ainda molhados do banho recém-tomado, aquele olhar vívido que era capaz de me desnortear num centésimo de segundo.
- O-oi, Carina... - Retribui o cumprimento, não conseguindo conter a gagueira.
Ela largou os livros e cadernos sobre a mesinha de centro, se levantou e veio me abraçar, dando logo em seguida um beijo estalado na minha bochecha. Alguma coisa em meu estômago estremeceu. Fiquei desnorteado, como se quisesse entender o que estava acontecendo comigo. "E a coragem? Cadê?" a pergunta explodia dentro de mim. Mas nada. Aquele grito que me empurrava pelo corredor a poucos instantes, havia se calado. Talvez porque assim como eu, ele também amava tanto aquela menina, que já não estava tão certo assim de que devesse contar tudo logo de uma vez... Que talvez, o mais correto, fosse ficar em silêncio...
Cara, como eu queria dizer tudo ali, naquele momento! Eu aproveitaria aquele abraço tão gostoso e diria: "Carina, eu amo você!" E ela, emocionada e com lágrimas nos olhos, responderia: "Jura? Eu também!" Aí, nada mais precisaria ser dito ou explicado. Só...
- Marcelo! - Chamou Carina. E eu senti que ela estava deixando os meus braços. "Como eu queria que esse abraço durasse a vida toda!" Pensei.
- Hã? - Perguntei meio abobado.
- E então? Vamos começar? - Ela propôs.
"Começar a namorar?" Pensei, sentindo o peito arfando. "Claro! Claro que sim!"
- Aceito. - Respondi num sorriso meio débil.
- Aceita o quê? - Perguntou ela achando graça.
- Ora, nam... - Mas não continuei. Meus instintos e minha vergonha me brecaram na hora. Balancei a cabeça como se quisesse acordar de um sonho e perguntei: - Desculpa, Carina... Começar o quê, mesmo?
- A aula particular, ué! - Respondeu com espanto. - Não foi pra isso que você me chamou?
Senti como se tivesse sido sacudido.
- Ah... Isso... - Não pude disfarçar o desânimo.
- Ué, pra que mais seria? - Perguntou ela com estranheza.
Fiquei calado por alguns instantes. "Pois é, Marcelo! Pra que mais ela viria aqui? Pra ver os seus lindos olhos? Ou pra ver como o seu aparelho deixa você com uma boca igual a de um orangotango?"
Eu conhecia bem aquela voz que começava a brotar dentro de mim. Uma voz bem diferente daquela que dizia "Coragem, Marcelo!" Era uma voz que tentava me colocar pra baixo. Me fazer parecer menor do que eu pensava ser. Não tive dúvidas. Antes que ela crescesse dentro de mim, antes que ela brecasse toda e qualquer tentativa de contar tudo o que eu sentia pra Carina, respirei fundo e disse:
- Carina, você... - Minha voz tremeu e eu forcei um pigarro a fim de torná-la mais forte. - Você se incomoda da gente deixar a aula pra depois?
- Aconteceu alguma coisa? - Quis saber ela, pondo a mão em meu ombro. E eu senti aquele formigamento se apossando de mim novamente. - Você não me parece bem...
- A gente pre... - A gagueira quis me deter, mas depois de um novo pigarro, continuei firme: - a gente precisa conversar... - Meu ar sério fez ela assumir uma expressão preocupada.
- Claro... Pode falar. - Disse ela.
- Aqui, não... - Falei notando que a segurança de instantes atrás, começava a voltar. - E se a gente fosse dar uma volta na praça aqui perto?
- Por mim, tudo bem... - Concordou.
Peguei a minha chave que ficava sobre o aparador e fui saindo, com a Carina bem do meu lado. Aquele perfume gostoso dos cabelos dela me deixava zonzo de tanta paixão. Ela começou a contar alguma coisa, sobre não sei o quê. Não consegui captar uma palavra sequer do que ela dizia. Só conseguia sentir o som doce da voz dela. Só conseguia admirá-la. Só conseguia pensar no quanto eu seria feliz se ela me aceitasse, se ela fosse minha. Em como seria bom se, hoje à noite, na hora em que a minha mãe chegasse do trabalho, eu pudesse contar que a Carina e eu estávamos namorando. Ou em como seria melhor ainda se, amanhã nós fôssemos juntos no Bananarama com o Ricardo e a Flávia...
Por mais que todas aquelas possibilidades que eu estava cogitando não passassem de um mero sonho, de uma doce e irresistível ilusão, ainda assim me faziam um bem enorme. Me ajudavam a sufocar dentro de mim aquela voz irritante que tanto insistia em me pôr pra baixo, em me fazer desistir. Eu ainda não fazia idéia de qual seria o resultado daquela conversa que nós teríamos na praça. Se ela ia me aceitar, recusar, ou se ia ficar com raiva quando lhe contasse que vi - sem querer - as iniciais escritas naquela página da agenda dela. A única coisa que eu realmente sabia - e da qual eu nunca tive tanta certeza na minha vida como naquele instante - era que, eu não podia esconder mais nada. Nem dela e muito menos de mim mesmo. Abrir o peito na direção dos canhões, como eu li num poema outro dia na classe. Esperançoso de escutar o "sim", tentando ficar preparado para ouvir o "não"... O que não cabia mais em mim e no vocabulário do meu coração, era o "quem sabe", o "talvez" e muito menos o "será?" Já estava colocando a chave na fechadura, pronto pra fechar a porta, quando a Lurdinha apareceu de lá da cozinha e sorrindo, disse baixinho:
- Boa sorte!
Eu devolvi o sorriso, agradeci também baixinho e, confiante, fechei a porta.
* * *
Nós já havíamos atravessado um bom pedaço da praça Luís de Camões, quando a Carina resolveu perguntar:
- Tá acontecendo alguma coisa, Marcelo? Tipo, alguma coisa muito séria mesmo?
Eu que, até então estava em silêncio olhei pra ela. De uma maneira profunda, como nunca olhara antes pra ninguém.
- Por quê? - Quis saber.
- Ah, sei lá... - Disse meio que dando de ombros. - Você anda meio esquisito...
- Esquisito, como? - Perguntei olhando ao redor. Observando as árvores, as poucas pessoas que passavam por ali, os carros entupindo as ruas...
- Esquisito como agora! - Disse com certa impaciência. - Eu aqui falando, falando e você nem aí... Enquanto a gente tava vindo pra cá eu te contei um monte de coisa e você só no "Hum-hum", "Pois é", "Arrã"!
- Desculpa, Carina... - Pedi sem jeito. - É que eu tava pensando em tanta coisa...
Ela me deu um tapinha no braço.
- Podia ter avisado então, seu mala! Assim eu não gastava saliva! - E dizendo isso, riu gostosamente.
Como eu amava aquele riso! Aquele hálito que parecia tão fresco e convidativo, aquele branco puro dos dentes dela... Ela tão linda, tão perto e acessível e eu ali, quase um zumbi, sentindo meu cérebro fervilhando na ânsia de encontrar uma maneira de começar aquela conversa tão necessária, tão urgente. Olhei pra ela com uma certa tristeza. Como se eu a estivesse vendo pela última vez. Como se tudo estivesse prestes a mudar de uma forma radical e irremediável. Uma guinada de cento e oitenta graus. Aquele pensamento não me fez sentir vontade de voltar atrás e desistir. Mas me fez entender que aquele era um momento onde, qualquer palavra mal empregada, qualquer atitude impensada e não calculada, poderia estragar tudo. Carina percebeu meu olhar pesaroso e num outro tom, continuou:
- Não, mas agora falando sério, Marcelo... Conta pra mim o que tá acontecendo, vai? Se eu puder te ajudar de algum jeito...
Nos sentamos num banco de madeira bem no centro da praça. Eu continuava com o cérebro fervilhando, calculando as variáveis, pesando prós e contras, mas acho que a situação era bem mais complicada que um cálculo matemático. Sorri meio vago, tentando demonstrar uma tranquilidade que não possuia. Tentando aparentar serenidade, quando estava em cólicas. Respirei fundo, mandei a lógica e a razão à merda e optei pela emoção. Olhei fixamente pra ela e comecei:
- Carina, você... - Respirei mais uma vez. Meu estômago parecia ferver. - Alguma vez acordou e se deu conta de que, alguma coisa, por menor que fosse, estava errada com você?
- Ih, isso vive acontecendo, Marcelo! - Disse ela despachada. E achando graça, emendou: - Quando eu tô de tpm, então... Aí a coisa piora! - Ela se recostou melhor no banco e continuou: - Mas acho que faz parte, né? É coisa da idade, como diz a minha mãe...
- O que eu quero dizer é... se alguma vez, você passou a ver as coisas ou... - Me senti querendo gaguejar. Pigarreei. - ...alguém de... de uma outra maneira...
- Ah, sei lá, Marcelo! Acho que sim... - Respondeu. E tirando da bolsinha um pacote de chicletes, pegou um pra si e me ofereceu: - Quer um?
- Quero sim... Valeu. - Peguei o chiclete, desembrulhei e o enfiei de uma vez na boca. Mascando furiosamente, fazendo um ruído tão forte que senti os ouvidos zumbindo. Aquele instante de silêncio me fez repensar na abordagem a ser feita. Saboreei por mais alguns segundos o gosto bom de hortelã e, ainda decidido em agir com a emoção, cuspi o chiclete longe e falei: - O que eu tô tentando dizer, Carina é que... é que eu tô me sentindo assim...
- Assim como, Marcelo? - Perguntou entre uma mascada e outra.
- Assim, como se tudo estivesse errado comigo, caramba! - Ela franziu a testa, espantada com o meu tom de voz meio ríspido. Me dei conta da mancada. - Desculpa... Eu não tô falando coisa com coisa...
- Tá sim... Você só não tá conseguindo encontrar o jeito certo de falar... - Disse decidida. E me olhou de um jeito, como se soubesse exatamente o que eu estava tentando dizer. Por um breve instante, eu senti como se estivesse completamente nu e todos os olhos estivessem voltados pra mim. Me levantei, com vontade de sair correndo dali, mas não consegui dar um passo. Me virei novamente e olhando fixamente pra ela, prossegui:
- A minha vida tava tão calma... De casa pra escola, da escola pra casa... Passar a tarde na frente do computador jogando ou conversando no msn... Tudo parecia tão encaixado, tão esquematizado e... eu já tava tão acostumado com isso...
- E...? - Perguntou me olhando ainda sem entender. Tomei um novo fôlego e continuei:
- E então, eu acordei um dia e, percebi que alguma coisa tinha mudado... Que, mesmo fazendo as mesmas coisas de antes, tinha uma outra muito mais forte, que ficava martelando na minha cabeça... Ocupando o meu coração...
Ela franziu a testa novamente, como se quisesse entender.
- Eu não sei quando foi que isso aconteceu, te juro, Carina... Não sei se foi durante a aula, ou em alguma festa que eu tenha ido... Ou, pode até ser que, isso brotou dentro de mim da noite pro dia... - Dei uma risadinha, tentando descontrair. - Tem coisas que a biologia explica e... tem outras coisas que, a gente nunca consegue explicar...
- Mas você pode sempre tentar... - Ela se levantou e, sorrindo da maneira linda que sempre fazia, continuou: - Eu não sei bem o que tá acontecendo com você, mas a gente pode encontrar a solução junto e...
Putz, será que não tinha caído a ficha? Será que ela não conseguia ler nas entrelinhas? Ou será que eu estava complicando demais uma coisa que era simples de falar? (Bom, nem tão simples assim...) Antes que ela continuasse e tentasse dar uma de psicóloga, reuni todas as forças que tinha e disparei:
- Carina, eu amo você...
Pronto. Simples, direto e, por incrível que pareça, me proporcionou a sensação de tirar um peso de vinte toneladas do peito. Ela se calou e, eu percebi que suas bochechas começavam a corar. Ela não desviou o olhar, como eu esperava. Ficou me observando. Meio envergonhada, meio espantada. Como se fizesse força pra entender aquele cara - que ela conhecia a vida inteira - ali, diante dela e dizendo que a amava. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, antes que ela pudesse balbuciar uma palavra que fosse, eu continuei. Mais seguro que nunca:
- É... - Disse confirmando com a cabeça. - Eu amo você, Carina... Como eu nunca esperei amar ninguém... Sabe... desde o dia em que eu percebi que sentia isso, minha vida não foi mais a mesma... É como se eu estivesse sempre com uma sensação de bolo na garganta, como se o meu estômago estivesse cheio de ar, ou de...
- ... borboletas? - Ela completou ainda meio sem jeito.
- É... - Concordei num sorriso. E continuei: - O lance é que, eu não paro mais de pensar em você... Tudo o que eu tento fazer ou dizer, parece sem sentido... É uma vontade de rir, de chorar, de pular de alegria e, ao mesmo tempo, de querer se encolher de tristeza... Porque, eu sei que no fundo, eu nunca vou ter você... Não como eu realmente queria...
- O que você tá querendo dizer com isso? - Perguntou com estranheza.
- O que eu quero dizer, é que... - Senti um bolo se formando na minha garganta. - ...é que eu sei que você não me ama... Que nunca vai poder corresponder ao que sinto e que...
- E que...?
Sem querer encará-la, abri o bolso do meu bermudão, tirei de dentro dele a agenda e entreguei pra ela. Carina sorriu de felicidade:
- Você achou minha agenda! Que bom! - Ela abraçou a agenda, como se estivesse também tirando um peso de vinte toneladas do peito. - Nossa, Marcelo... Você não sabe o sufoco que eu passei! Só de pensar na possibilidade de não encontrar mais essa bichinha aqui... - Carina acalentava a agenda como se de fato, ela fosse um bichinho muito frágil. - Valeu mesmo... Só eu sei o quanto essa agenda significa pra mim...
- E eu também... - Disse num muxoxo sentido e sem-jeito.
- Como assim? - Ela estranhou.
Agora vinha a segunda parte. E talvez a mais difícil. Mas, para quem já tinha conseguido falar sobre os próprios sentimentos, o que mais eu poderia temer?
- Hoje, logo depois do almoço, quando eu fui entregar a agenda na tua casa, eu, sem querer - Fiz questão de frisar bem aquelas duas palavras. - descobri uma coisa dentro dela...
Carina arregalou os olhos, numa perplexidade que eu já esperava.
- Des... - A voz dela falhou. - descobriu uma coisa? Você tá querendo me dizer que andou fuçando na minha agenda, é isso?
- Não. Fuçando, não... - Me defendi. - Eu disse que descobri sem querer...
- Ah, é? E como foi esse "sem querer"? Sim, porque a agenda não se abriu sozinha e ficou se mostrando pra você, né?
- Pode parecer ridículo, Carina... mas foi mais ou menos isso o que aconteceu... - Disse meio constrangido.
- Ah, me poupe, Marcelo! O que mais você descobriu "sem querer"? A frequência do meu ciclo menstrual, os horários dos cursos que eu faço? Em qual ginecologista eu vou?
A voz dela veio tão carregada de indignação e ironia, que percebi que, se havia alguma esperança pra nós dois, ela morrera ali, naquele instante, com o meu súbito ataque de honestidade. "Viu só? Vai ser honesto, vai! Agora toma, palhaço!" Aquela voz irritante, que me botava sempre pra baixo, parecia se divertir com o meu sufoco. Decidi ignorá-la mais uma vez. Continuei:
- Não... - Respirei fundo e fui pegar a agenda das mãos dela. Carina recuou, como se estivesse defendendo a cria. Antes que ela pudesse protestar, prossegui: - Me empresta ela só um pouco, por favor? Eu quero te mostrar o que eu descobri...
Carina me entregou a agenda meio a contragosto. Comecei a folheá-la, tentando localizar aquela maldita página que tantos problemas me trouxe. Fiz isso com calma, aproveitando pra contar pra ela como eu havia feito a tal "descoberta sem querer". Omiti toda aquela lenga-lenga que aconteceu comigo no elevador, contando somente do tombo que levei na escada até o momento em que a agenda se abriu. Senti aquela expressão irritada em seu rosto suavizando, à medida que ia contando tudo. Era como se, no fundo no fundo, ela estivesse acreditando em mim. Isso me deixou mais tranquilo. Assim que encontrei a página, estendi a agenda novamente pra ela.
- ... foi quando eu encontrei isso... - Disse concluindo a minha explicação, mostrando aquele coração ridículo, com aquelas iniciais ridículas ali desenhadas.
- Ah... Foi isso... - Carina pegou de volta a agenda e observou aquelas duas iniciais escritas tão lindamente. Suas bochechas coraram furiosamente e ela então, virou de costas pra mim, ainda encarando aqueles dois "cês".
- É... Foi isso... - Disse repetindo. - Ai então eu, fui pro meu quarto não sei como, chorei o que pude e o que não pude, certo de que você era pra mim uma causa perdida e... aqui estamos nós, né?
Carina sentou novamente no banco de madeira, ainda observando com certa tristeza aquelas iniciais. Ainda sentindo vergonha por ter tido seu "segredo" descoberto. Antes que ela tentasse dizer alguma coisa, antes que ela confirmasse o que eu já sabia, eu me adiantei:
- Tudo bem, Carina... Eu... - Senti minha voz tremer. - ...eu só quero que você saiba que, não foi minha intenção invadir a tua privacidade, descobrir alguma coisa que não fosse da minha conta... Eu queria do fundo do coração que, você me desculpasse, tá?
- Não, de boa, Marcelo... - Disse num sorriso meio triste. - Eu é que sou muito exagerada, mesmo...
- Não, você tá certa em ficar pê da vida comigo... Eu não tinha esse direito. - Expliquei.
- Já disse, Marcelo... Tá de boa... Eu, não tô brava com você... Não mais. - Disse ainda com um sorriso triste. Eu me sentei do lado dela, já esperando pela recusa, pelo "não" redondo e definitivo. Não pude deixar de comentar:
- O mais irônico nisso tudo, é que até bem pouco tempo atrás, eu achava que tinha alguma esperança... Achava que, você também sentia alguma coisa por mim... Aí, vem um Cristiano Labate da vida, e acaba com tudo em menos de dois segundos...
- Cristiano Labate? - Ela não entendeu. - O que o Cris tem a ver com tudo isso, Marcelo?
"Cris"? O negócio era mais sério do que eu pensava. Tanta intimidade, tanto mel na voz... "É, Marcelo... Conforme-se." Disse pra mim mesmo, já sentindo os olhos ardendo. Mas eu não ia chorar. Não ali, não naquele momento decisivo, onde tudo estava sendo posto em pratos limpos... Decidi continuar. Sei lá, talvez pra me conformar com a situação, ou então pra me torturar, ouvindo dos lábios dela que sim, ela gostava do Cristiano mais que tudo no mundo. Prossegui, apertando os olhos com força, evitando que as lágrimas pudessem escapar.
- Não é dele que você tá afim? Bom, pelo menos foi isso o que o Ricardo falou...
Ela teve um esgar de espanto e incredulidade.
- E desde quando o Ricardo sabe tanto assim da minha vida? - Ela começou a ligar os pontos. - Foi a Flávia, não foi?
- E agora importa quem foi ou quem não foi, Carina? - Perguntei. - O fato é que eu me enganei... Eu fiquei fantasiando com o que não existia... Fiquei esperando por uma coisa que, no fundo no fundo, eu sabia que nunca ia ter...
- Você é sempre tão certo assim das coisas? - Ela perguntou com os olhos querendo marejar.
- Não... Só de algumas coisas... - Respondi, sentindo o peso no peito e no estômago aumentar. - Das coisas que eu posso ter... e, das coisas que eu não posso ter... Você, Carina... - Senti uma lágrima fugindo pelo meu rosto. Estava doendo até os ossos ter de dizer aquilo, mas eu precisava continuar: - ...você é uma das coisas que eu nunca vou poder ter... E se, eu quis te trazer até aqui, abrir o coração e dizer o quanto eu te amava, não foi por ter alguma esperança de que você me aceitasse... Foi porque eu não podia mais continuar guardando isso dentro de mim... Por mais que me doa o seu não, vai ser bem melhor do que passar uma vida pensando no talvez... E eu quero continuar tocando a minha vida... Com ou sem você...
A essa altura, Carina também já estava chorando. Ela me abraçou forte e me deu um beijo na bochecha lavada de lágrimas. Ficamos assim algum tempo, sem nos importar com as pessoas que passavam e viam aqueles dois adolescentes ali, sentados, chorando nos braços um do outro. Eu fui me soltando dela devagar, como se ainda tentasse gravar na minha alma aquele cheiro tão doce dos cabelos e do corpo dela. Eu me levantei, sem conseguir encará-la. Ela não precisava dizer mais nada, não precisava dizer que não me aceitava. Eu já havia entendido. Com o coração minúsculo e dolorido, ainda consegui dizer, contendo o soluço:
- A gente se vê na aula...
Fui me afastando dela, sem olhar pra trás. Se olhasse, era bem possível que eu voltaria e a abraçaria novamente. Mas antes que eu desse mais um passo, ela se levantou do banco depressa e me chamou:
- Marcelo!
Me virei devagar. Ela estava enxugando as lágrimas enquanto dizia:
- Eu fiquei com o Cristiano...
"E por que você tinha que me falar isso?" Calei essa pergunta dentro de mim. Ela continuou:
- Mas foi só uma vez e já faz um tempo... - Explicou se aproximando. - Ele é crianção de tudo, não quer nada com nada... Mas eu curti ficar com ele. Ele se tornou um bom amigo...
- Que bom... - Falei, num suspiro sentido.
- Mas não a ponto de colocar a inicial do nome dele numa página da minha agenda... - Disse me olhando fixamente.
- Que legal, Carina... - Disse torcendo a boca contrariado. E me fazendo de forte, me esforcei num sorriso amarelo e sem-jeito dizendo: - Pois então eu faço votos de que você seja muito feliz com esse cara do nome que começa com a letra "C"... "C" do quê? De Carmelo? Cássio? Capistrano? Cassiano? - E tentando assumir uma postura mais descontraída, brinquei magoado: - Cafajeste? Canalha?
Carina chegou mais perto e me olhando com firmeza disse definitiva:
- Não. "C" de Celo... Ou de Marcelo, se você preferir...
Peraí... Não... Pára tudo! O quê?
- Eu não... - Tentei articular, mas não consegui ir adiante. Carina respirou fundo e explicou:
- Ontem, enquanto eu tentava te explicar equações, eu resolvi abrir o jogo com você... Eu disse tudo o que queria dizer há um tempão...
- O... o que foi que você disse? - Quis saber com o coração aos pulos.
- Basicamente, disse que te amava... - Falou meio sem-graça. - Que de uns tempos pra cá, eu tinha percebido que você já não cabia mais na minha lista de amizades, porque eu já não te via mais como um amigo... Que por mais que isso pudesse abalar a nossa amizade, eu não queria continuar escondendo o que eu sentia...
- Você disse isso, mesmo? Que hora? - Perguntei confuso e sem entender.
- Naquela hora em que você ficou viajando, com cara de bobo... - Disse. - Você não tinha escutado uma palavra do que eu disse... Aquilo me deixou tão mal, que eu resolvi ir embora...
Eu tentava falar, mas só conseguia balbuciar pedaços de palavras sem nexo.
- Hoje de manhã, na hora do intervalo, quando você foi me procurar, eu pensei que fosse pra falar alguma coisa... Que você tinha ouvido tudo o que eu disse e que me aceitava também... Aí você veio com aquela história de pedir pra eu te ajudar com química, sei lá... Fiquei morta de raiva!
- E quando você virou as costas e o sinal tocou, eu gritei que amava você... - Completei conseguindo dizer algo que fizesse sentido.
- E eu não entendi... - Falou sorrindo daquele jeito lindo.
- Foi por isso então, que você ficou chateada quando perdeu a agenda e eu disse que tinha descoberto uma coisa nela sem querer? Porque tinha medo que eu descobrisse tudo? - Quis saber.
- Não... Eu gosto dessa agenda, porque foi a minha avó quem me deu. Aquela que morreu no começo do ano, lembra? Mãe do meu pai? - Explicou.
- Putz, é mesmo! - Disse caindo em mim.
Ela abriu um sorriso ainda mais lindo e falou já descontraída:
- E depois, se você fosse tão esperto assim, não teria achado que aquele "C" era de Cristiano, né? Me poupe, Marcelo! - Ela bateu com a agenda na minha cabeça, rindo divertida. Um riso limpo, puro, de hálito fresco e convidativo. Alguma coisa cresceu dentro de mim. Uma sensação de calor, de luz, de esperança, de felicidade... Eu senti vontade de gritar feito um louco ali, naquela praça! Subir nos bancos e cantar alguma coisa pra ela. Nem foi preciso. A poucos metros dali, em meio ao trânsito lento que entupia as ruas, algum doido - ou apaixonado também - ouvia a todo volume no rádio do carro, Need you know, do Lady Antebellum. Foi o que faltava. Segurei as mãos da Carina, que parecia me esperar pacientemente, me aproximei com delicadeza e, numa mistura de sonho, melodia, poesia e luz, senti o corpo todo tremer de emoção quando meus lábios tocaram os dela. Nos abraçamos e permanecemos ali, naquele beijo que parecia não ter fim. E eu queria que não tivesse! Mas eu também sabia, que não precisava ter pressa, ou medo que aquele instante mágico acabasse. Eu tinha agora a certeza de aquele, seria somente o primeiro de muitos momentos mágicos que viriam. Se alguém me perguntasse quanto tempo exatamente durara aquele beijo, eu não saberia responder. Acho que o tempo deixa de ter importância quando se ama. É como se os ponteiros do relógio não obedecessem a ordem natural das coisas. Como se um minuto, fosse uma vida inteira e uma hora, uma eternidade. Uma eternidade doce e apaixonante...
Daquele dia em diante, nunca mais senti as borboletas voando em meu estômago. Acho que elas se libertaram no momento em que o sonho se tornou realidade. Em que o impossível tornou-se possível. Talvez elas ainda estejam por aí... Voando na imensidão do céu azul. Esperando para irem se instalar timidamente num outro estômago. Num outro corpo. Num outro coração de alguém esperando para conhecer e sentir o amor...
Fim

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Borboletas no estômago (Parte V)

Se alguém me perguntasse como eu tinha conseguido chegar até o meu quarto, eu não saberia responder com exatidão. A única coisa que eu conseguia lembrar, ainda assim porque ficava martelando insistentemente na minha cabeça - e fazia meu peito latejar como nunca - era a imagem daquele coração grande e cafona desenhado na maldita página daquela maldita agenda. De resto, não sabia de mais nada. Não tinha a menor ideia de onde eu havia tirado forças para desgrudar o rosto do chão frio da escadaria, me levantar e voltar pra casa. Tudo parecia um imenso borrão cinza, onde eu era incapaz de distinguir qualquer outra coisa que não fosse minha própria dor.
Acho que é assim que funciona, né? Quando se chora e se sofre a ponto de querer deixar de existir, o corpo liga o piloto automático. Por alguns instantes - ou até mesmo por semanas e meses - você passa a fazer as coisas e nem percebe que está fazendo. Você pode até caminhar sobre espinhos; seus pés vão sangrar pra caramba, mas você continua caminhando porque, no final das contas, é assim que tem que ser. Acho que eu deveria agir dessa forma dali em diante. Caminhar por entre os espinhos da minha vidinha patética, sangrando pra caramba, mas ainda assim, seguindo...
Mas como? Como eu faço isso sem a Carina? Como vai ser levantar todas as manhãs, ir pra escola, encontrar com ela e fingir que eu continuo o mesmo cara de sempre, mesmo sabendo que por dentro eu me sinto machucado? Vai ser foda. Muito foda mesmo...
Naquele momento, abraçado ao travesseiro, comecei a pensar seriamente na possibilidade de pedir pros meus pais me trocarem de escola. Sei lá. Podia falar que tava achando tudo uma merda, que os professores não tavam ensinando droga nenhuma... (Não... Eles não têm culpa da minha dor de cotovelo.) Também seria uma boa se a gente mudasse do prédio... Esse argumento seria infalível! Eu podia dramatizar bastante, dizendo que quase morri soterrado por uma mulher imensa de gorda e que duas meninas histéricas quase me deixaram surdo de tanto gritar , dentro de um elevador caindo de velho... (Mas será que se a gente mudar, a dor não vai seguir junto comigo? E eu não vou acabar sentindo saudades do lugar onde passei praticamente a minha vida inteira? Onde eu descobri o quanto o amor é bom e ruim pela primeira vez?) Sei lá... A única coisa que eu tinha realmente certeza naquele instante, é que tão cedo eu não queria ver a Carina na minha frente. Ver aqueles olhos lindos, aquele cabelo todo cacheadinho, cheirando a frutas vermelhas, aquele rosto perfeito e radiante, ia me doer mais que tudo no mundo... E quando eu pensava que ela era inteira, de corpo e alma só do Cristiano Labate, eu sentia uma raiva tão grande, que eu bem seria capaz de enfiar um murro no meio da cara daquele babaca! Isso sim seria uma boa! Deixar aquele imbecil sem os dentes da frente. Queria ver se alguma menina na escola ia olhar pra ele! Era até capaz dos outros meninos me carregarem nos braços, como um grande herói, um salvador da pátria! Eles mandariam então, fazer uma estátua bem grande minha e colocar uma placa com os dizeres: MARCELO: ESSE É O CARA!!!!
Mas é claro que eu não ia fazer nada disso. Até porque o Cristiano Labate era faixa preta no caratê e fera em jiu-jitsu. Já imaginaram? Eu chego no maior apetite de arrebentar o cara de pancada e quem acaba arrebentado sou eu? Não, deixa quieto. Melhor ficar arrebentado só por dentro mesmo... O jeito era ficar ali, quieto no meu canto. Tentando afastar a Carina da minha cabeça e do meu coração. E não pensar mais nela. Nunca mais...
- Marcelo? - Ouvi a Lurdinha me chamando. Ela torceu a maçaneta, mas a porta estava trancada. (E eu também não me lembrava de tê-la trancado.) Deu três batidinhas e chamou de novo. - Marcelo?
- Que é que foi, Lurdinha? - Perguntei, tentando disfarçar a voz. A vontade de chorar começava a estrangular minha garganta e meus olhos queriam arder. E eu queria me entregar a tudo aquilo. Queria chorar sozinho, sofrer sozinho, gritar sozinho... Com muito custo, pedi: - Me deixa quieto, por favor...
- Sua mãe chegou... Ela pediu pra você dar um pulo lá na sala... - Avisou sem levar em consideração o meu pedido.
- Diz pra ela me deixar em paz, Lurdinha... - Respondi, agora com a voz totalmente deformada. Não sei se pelo choro ou pelo grito que tentei dar. - Fala pra ela que depois eu vou... Tô ocupado agora!
Ouvi a Lurdinha se afastando, pelo barulhinho irritante que os chinelos dela faziam no piso. Me agarrei com mais força ao travesseiro. Eu sabia que minha mãe não ia deixar barato. Se tinha uma coisa que ela não sabia me dar era sossego. Depois que eu entrei na adolescência então, parecia que um alarme soava dentro dela dia e noite. Como se ter um adolescente em casa, fosse tão perigoso quanto armazenar material radioativo numa vasilha de plástico! Ninguém merece! E eu, muito menos! Eu sabia que era uma forma dela demonstrar preocupação (até demais, por sinal!), porque na época dela não tinha a metade das doideiras que tem hoje em dia, etc e etc... Enfim, aquelas coisas nada a ver que ela adorava mencionar quando queria me dar um esporro ou uma lição de moral qualquer. Mas eu não tava afim... Não queria ouvir nada do que ela tinha pra perguntar ou dizer. Só queria ficar quieto com a minha dor de cotovelo.
Mas como eu disse, ela não ia deixar barato. Fechei os olhos e comecei a contar mentalmente:
"Um... dois... três... qua..."
Nem deu tempo de chegar no número quatro. Ouvi as batidas fortes, enérgicas na porta.
- Marcelo? - Ela chamou.
- Morreu! - Respondi já começando a ficar de mau-humor.
- Abre essa porta! - Falou séria.
- Tô pelado! - Retruquei com deboche.
- Então se veste! - Mandou.
- Tô com preguiça! - Respondi rápido. Me encolhi ainda mais na cama e cobri a cabeça com o travesseiro pra abafar as outras duzentas batidas que ela deu na porta. Putz, será que era difícil entender que eu não tava com saco pra conversinha mole? Na certa era pra me cobrar se eu liguei no ortodontista marcando hora. (Bosta de aparelho! Só serviu pra me deixar ainda mais esquesito, ainda mais feio!) Que saco! Que merda! Será que ela não podia me deixar em paz?
"Não... É claro que não..."
Pois eu mal acabara de pensar isso, ouvi o barulho metálico vindo do outro lado. Um giro, depois outro. Logo em seguida, via a maçaneta sendo torcida e záz! Minha mãe entrou no quarto sem a menor cerimônia. Aquilo fez o meu sangue ferver! Minha vontade foi de mandar ela ir cagar! Sentei na cama e com a maior cara feia do mundo, fiz questão de reclamar:
- Puta merda, mãe! Que falta de respeito, hein? Entrando assim, no quarto dos outros!
- Eu tenho uma cópia da chave, esqueceu? - Respondeu com uma das mãos na cintura e a cópia da chave do meu quarto na outra.
- É... - Respondi irritado. - Esqueci que nessa casa a gente não tem privacidade nem no próprio quarto!
- Fizesse por merecer, mocinho! - Respondeu sem se abalar. - E depois, pra que ficar a tarde toda trancado no quarto? Vai fazer alguma coisa, menino!
- Eu tava fazendo, mãe... - Respondi cada vez com menos paciência. - Eu tava aqui, deitado, de boa!
- Deitado, Marcelo? - Falou impaciente. - Parece até que tá com anemia ou verme! Só pensa em dormir!
- Tem dó, né, mãe! - Bufei. - O que eu faço ou deixo de fazer no meu quarto, é problema meu! - Tomei um fôlego e continuei sem dó: - Engraçado isso, né? Quando você se tranca no teu quarto sozinha ou com o meu pai, eu não vou lá te encher o saco! Então por que você sente prazer em encher o meu?
Minha mãe prendeu a respiração. O meu argumento pareceu ter caído sobre ela como o peso de duas toneladas. Por alguns instantes eu pensei que ela fosse partir pra cima de mim e me dar uma tremenda surra. Pra falar a verdade, eu bem que merecia. Nunca tinha batido assim, de frente com ela. Depois de alguns segundos, que pra mim pareceram uma vida, ela finalmente disse:
- Desculpa, filho... Eu só fiquei preocupada...
- Preocupada com o quê? - Perguntei com uma pontinha de mal-humor e outra de receio em desafiá-la novamente. - Se eu tava aqui usando droga, é isso?
Minha mãe me encarou com aquele olhar que mesclava espanto, indignação e uma certa mágoa e continuou:
- A Lurdinha me ligou. Ela disse que você voltou pra casa com um jeito de quem tinha chorado, com a roupa amassada... Aí eu resolvi dar uma escapada do serviço... Pra ver se tava tudo bem com você...
Aquilo me pesou no peito de uma forma insuportável. Senti tanto remorso, tanta vergonha! Como eu tinha sido estúpido, cara! Tava tão preocupado com a minha dor, com a minha tristeza, que não me importei em dar uma patada na pessoa que mais se importava comigo... Tá certo que ela às vezes passava da conta, que era superprotetora demais, mas putz, ela não merecia ouvir aquilo! Olhei mais uma vez pra minha mãe, que continuava me observando com aquele olhar sentido e ao mesmo tempo cheio de amor e vontade de ajudar. Tentei balbuciar um "desculpa, mãe...", mas senti que as lágrimas começavam a escorrer sem que eu pudesse controlar. Abracei minhas pernas, escondi a cabeça envergonhado e chorei tudo o que eu ainda teria pra chorar ao longo daquela tarde. Minha mãe sentou na beirada da cama, me abraçou forte e ficou acariciando os meus cabelos. Quis falar alguma coisa, mas toda vez que tentava, soluçava a ponto de achar que fosse morrer sufocado. Quando ela finalmente percebeu que eu já estava ficando mais calmo, segurou meu rosto entre as mãos e, enxugando as minhas lágrimas, perguntou:
- E agora? Você vai ou não vai me contar o que tá acontecendo?
- Deixa quieto, mãe... - Respondi soluçando um pouco e me afastando dela.
- Deixa quieto, coisa nenhuma! - Disse. - Você nunca foi de chorar assim, filho... Todo metido a durão, cheio de si... Cheio de marra, como você e os seus amigos costumam falar... - Ela deu uma risadinha rápida. Depois de um rápido silêncio, ela perguntou, como se tivesse certeza: - É o coração, né? -
Dei um suspiro sentido. Fiz que sim com a cabeça.
- Foi alguém que machucou? - Quis saber, dando um sorriso doce e cheio de cumplicidade.
- Não foi, não, mãe... - Respondi mexendo displicentemente no cadarço do meu tênis. E antes que meus olhos começassem a arder de novo, continuei: - Eu mesmo é que machuquei ele. Bancando o idiota, o iludido, o babaca... Também, né? Que menina ia ser doida de querer alguma coisa comigo?
- Não fala assim, filho... - Pediu. - Você é um menino tão bacana, tão cheio de qualidades...
- ...tão sem graça! - Completei com certa tristeza.
- Eu não acho! - Disse ela com carinho.
- Porque você é minha mãe, né? - Respondi num muxoxo.
- E quer saber? - Falou num sorriso maroto. - Tenho certeza que a Carina também não acha...
Foi como se eu tivesse recebido uma descarga elétrica violenta.
- A Ca... a Carina? - Gaguejei, sentindo as bochechas corarem. - Que é isso, mãe! Nada a ver... - Tentei disfarçar, mas acho que a minha voz trêmula e meus olhos arregalados não ajudaram a convencê-la. Antes que eu tentasse lançar mão de outro argumento, minha mãe disse sorrindo:
- Marcelo, Marcelo... Jura que você achava que eu não tinha percebido nada?
- Não, mãe... é que... - Tentei articular alguma coisa, mas ela me interrompeu:
- Filho, você se esquece que eu vou a todas as reuniões na tua escola? Que eu sei de cada nota que você tira? Então! Quando você começou com essa história de pedir pra Carina te ajudar, te dar uma aula particular aqui, outra ali... Hum! Eu logo percebi que tinha alguma outra coisa por trás disso tudo... - Ela deu uma piscadinha pra mim e eu senti vontade de sumir, de tanta vergonha! Ela continuou: - Você é tão bom aluno, que fica difícil de acreditar que você esteja com dificuldade em alguma matéria, filho! Eu não sei como a Carina não percebeu isso também! - Disse achando graça.
- Cara, que mico! - Disse, ficando mais e mais vermelho.
- Mico, por quê? - Perguntou achando graça da minha vergonha. - Só porque você gosta dela e eu percebi? - E antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela continuou, agora num tom mais discontraído, quase brincalhão: - Eu boto a maior fé nesse namoro!
- Que namoro, o quê, mãe! - Disse com azedume. - A Carina não quer e nunca vai querer nada comigo! Quem tem como namorado um cara como o Cristiano Labate não precisa dum cara esquisito como eu!
- Foi ela quem te disse isso? - Perguntou franzindo a testa.
- Não. Eu sei que é assim e pra mim já é o bastante! - Respondi num suspiro.
- Se não foi ela quem te disse isso, como você pode ter tanta certeza assim? - Quis saber.
Respirei fundo, como se buscasse uma força sei lá de onde e, levantando da cama, abri a gaveta da minha escrivaninha e tirei lá de dentro, a maldita agenda. Folheei rápido página por página, até que finalmente encontrei aquele maldito coração desenhado. Estiquei a agenda pra minha mãe, que olhou o desenho do coração, mas não entendeu.
- Isso aí significa exatamento o quê, Marcelo?
- Essa é a agenda da Carina, mãe... - Respondi.
- Então foi você que pegou a agenda dela? Marcelo, não vai me dizer que você ficou... - E antes que ela pudesse continuar e começar uma nova ladainha, fui logo falando:
- Não, mãe... - Disse. - Se bem que vontade não me faltou, mas aí eu pensei melhor e percebi que, antes de qualquer coisa, a Carina é minha amiga, né?
- Que bom que você tenha pensado assim, filho... - Disse minha mãe, com uma pontinha de satisfação.
- Mas as coisas não saíram como eu esperava... - Continuei.
- Por quê? - Perguntou interessada.
Fiquei por alguns instantes em silêncio, mordendo os lábios e pensando em como contaria tudo o que se passara naquela tarde sem correr o risco de chorar novamente. Respirei fundo mais uma vez e comecei a contar tudo pra minha mãe. Desde o instante em que eu decidira devolver a agenda pra Carina, até o momento em que eu descobri aquele coração ridículo desenhado em uma das páginas. Quando terminei, ela me encarou séria e perguntou:
- Então é só isso?
- Só isso, mãe? - Perguntei incrédulo. - Você acha pouco? Como eu posso ter alguma esperança de conquistar a Carina se ela gosta do Cristiano?
- Por um acaso o nome dele está escrito aí?
- Não, mas a inicial do nome dele tá! A não ser que a Carina esteja ficando com outro cara cujo nome comece com a letra C! - Argumentei. E depois, com pesar na voz, continuei: - Mas é o Cristiano sim, mãe... Eu tenho certeza! O Ricardo me falou isso na aula hoje...
- Talvez ela tenha feito esse desenho e escrito essas iniciais há muito tempo, Marcelo... De repente, esse tal Cristiano nem faça mais parte do pensamento dela... - Arriscou minha mãe, tentando me animar. Mas eu não estava nem um pouco esperançoso.
- Se ele não faz, mãe, com toda certeza é outro cara que faz... - Disse suspirando. - A Carina me vê só como um bom amigo... Só isso...
- E por que você não fala sobre isso com ela? - Sugeriu.
- Tá doida, mãe? Eu vou dar esse mole pra quê? - Perguntei, ficando agoniado só de pensar nessa possibilidade.
- Pois eu acho que você deveria conversar com ela sim, Marcelo... - Incentivou minha mãe.
- E tomar um fora, é isso? - Perguntei contrariado.
- Mas pelo menos você vai abrir o coração, filho... Vai ter a oportunidade de falar sobre tudo o que você sente por ela...
- Como se fosse fácil! - Bufei.
- Não é fácil, Marcelo... Mas você também não acha que é difícil ficar sufocando tudo o que você sente, por causa de um medo bobo?
- Medo bobo, mãe? E se eu perder a Carina pra sempre? - Perguntei em agonia.
- Medo bobo, sim! Porque você prefere ficar aqui, trancado nesse quarto chorando, curtindo dor de cotovelo, do que encarar a verdade de frente. É um risco, eu sei... Ninguém gosta de tomar um fora. Mas, se abrindo com ela, você pelo menos vai tirar essa espada de cima da sua cabeça. Se ela te aceitar, ótimo! Já disse que dou a maior força pra esse namoro...
- E se ela não me aceitar, mãe? - Interrompi, já com os olhos ardendo.
- Se ela não te aceitar, Marcelo... - Ela parou de falar, como se quisesse escolher as palavras certas. Fez então um carinho na minha perna e continuou: - Por mais que doa, por mais que você chore, vai ser melhor do que você continuar curtindo essa paixão platônica, que tá te fazendo sofrer tanto... Você vai poder continuar seguindo o seu caminho, a sua vida... E quando a dor passar, você vai lembrar disso com uma certa saudade... E é até capaz de se achar ridículo de ter sofrido tanto! Aí você vai perceber que a vida continua e a gente tem que continuar caminhando...
- É... - Considerei franzindo a testa.
- Mas eu quero que você saiba de uma coisa, viu? - Falou com convicção. - O que quer que aconteça, você ficando com ela ou não, lembra sempre que eu vou estar aqui, tá? Pra te consolar, pra te orientar, ou até mesmo pra te abraçar e ficar do seu lado, quieta...
- Valeu, mãe... - Agradeci me sentindo mais leve. - E desculpa pela patada, viu? Não queria ter falado aquilo pra você...
- Eu sei, filho... Agora vem cá, vem... - Pediu abrindo bem os braços. Ela me abraçou tão forte, que o medo, a insegurança, o desejo de rejeição foram embora por completo. Senti que poderiamos ficar ali, abraçados o resto do dia que ela não iria se importar. Mas a realidade parecia querer me chamar para enfrentá-la... Ouvimos três batidinhas na porta.
- Dá licença?
- Entra, Lurdinha... - Pediu minha mãe.
Lurdinha foi entrando meio sem jeito, como que se ressentindo por interromper alguma coisa.
- Marcelo, a Carina tá lá na sala.
Minha mãe trocou um rápido olhar comigo. Um olhar que me trazia coragem, certeza e convicção.
- Fala pra ela que eu já vou, Lurdinha. Por favor...
Lurdinha saiu do quarto. Minha mãe segurou meu rosto entre as mãos e disse mais uma vez:
- Lembra que eu tô aqui, viu? Pro que der e vier...
- Tá bom, mãe... - Respondi confiante.
- Agora deixa eu voltar pro trabalho, que tem um cliente me esperando... - Ela se levantou depressa e foi saindo. Quando já estava na porta, ela se virou, retirou do bolso a cópia da chave do meu quarto e jogou pra mim. - Toma!
- Ué! - Estranhei pegando a chave. - Mas por quê?
- Você cresceu, filho... - Respondeu. - E eu tenho que me acostumar com isso, não é mesmo? Beijinho e coragem, hein?
Ela saiu, encostando a porta novamente. Fiquei ainda alguns minutos sentado na cama, observando a agenda da Carina bem perto de mim. Não, eu não estava com vontade de ler nada que estivesse ali dentro. Mas depois daquela conversa que minha mãe e eu tivemos, tive a certeza de que, por mais difícil que fosse falar dos meus sentimentos, por mais difícil que fosse me abrir de forma tão completa pra uma garota, era muito mais difícil - e com certeza ridículo - continuar agindo feito um babaca, sofrendo tanto por causa daquelas iniciais estampadas numa das páginas daquela agenda, fingindo ter dificuldades em matemática ou química pra poder passar alguns momentos na companhia dela, enfim, sendo um completo idiota por ficar me alimentando de meias-verdades e certezas que poderiam ser infundadas. Não... Se eu realmente amava a Carina, como o meu coração insistia em afirmar, eu teria de fazer alguma coisa. Mesmo que me causasse dor a recusa dela, mesmo que o fora que eu fatalmente correria o risco de levar, me fizesse chorar por alguns dias, semanas e até - quem sabe? - meses. Melhor correr o risco de tê-la por inteiro do que só pela metade, me tratando só como um bom amigo.
Aquele raciocínio firme, decidido e seguro, pareceu aquietar meu coração. Era como se eu tivesse enxergado pela primeira vez em muito tempo, um raio de sol, de esperança, em meio ao nevoeiro da minha incerteza, da minha hesitação. Não dava mais pra esperar.
"Coragem, Marcelo!!!" Ecoava dentro de mim. Levantei da cama, coloquei a agenda da Carina no bolso do meu bermudão e dei um pulo no banheiro. Lavei bem meu rosto, como se quisesse apagar as marcas daquele Marcelo arrasado de alguns instantes atrás. Por alguns segundos, fiquei me observando no espelho. O rosto marcado por algumas espinhas, os cabelos em desalinho, o aparelho ortodôntico, os olhos negros. Olhos de um cara decidido, como nunca havia sido antes. Em meio àquele turbilhão de coisas que rolaram ao longo do dia, não pude deixar de me considerar um sobrevivente. Um cara que caiu e que, agora com muita vontade, começava a se levantar. Se nesse percurso eu caísse novamente, tudo bem. O que eu não poderia perder de jeito algum, era a vontade de levantar e começar de novo. Senti aquele grito de "Coragem, Marcelo!!!" reboando por cada centímetro do meu corpo e, dando uma última olhada pr'aquele novo cara no espelho, virei as costas e fui encontrar a menina que eu tanto amava.
(Continua)

terça-feira, 23 de março de 2010

Borboletas no estômago (Parte IV)

O caminho de volta pra casa me pareceu uma eternidade. Eu morava a poucas quadras da escola, dava perfeitamente para ir a pé, mas naquele instante, a impressão que eu tinha era de que precisaria atravessar a cidade inteira até chegar ao meu destino final. Cara, como eu queria já estar no meu quarto, trancado, apertando contra o peito a agenda da Carina, sentir a textura das páginas onde ela escrevia as coisas que lhe passavam pela cabeça! Eu suava frio e meu corpo todo tremia. Medo, excitação, curiosidade, desejo... Era uma mistura de sensações tão forte, que eu parecia embriagado. Mas também tinha aquela impressão de que todos na rua voltavam os olhares pra mim, como se me condenassem, como se me olhassem com desconfiança e reprovação. Eu me senti como um criminoso que acabara de fugir da prisão, ou um ladrão que acabara de assaltar um banco. Me agarrei ainda mais à minha mochila e apertei o passo mais um pouco, mesmo com as panturrilhas ferroando horrores. Atravessei as ruas seguintes sem me preocupar muito se vinha carro ou não, fingi que não ouvi quando a Laura, uma colega de classe, me chamou de dentro da Salgaderia Glutão, dei vários encontrões com o povo na rua, sem me preocupar sequer em pedir desculpas, enfim... Seguia sempre depressa e aos tropeções, buscando minha casa como quem busca o mais seguro dos refúgios. Meu coração se encheu de alívio quando avistei na esquina seguinte o começo da praça Luís de Camões. Agora só precisava atravessá-la! Aquela sensação de proximidade, me deixou ainda mais excitado. Assim que atravessei a rua até a calçada da praça, comecei a correr como um doido. Pra motivar minhas panturrilhas doloridas, fiquei imaginando enquanto corria, que estava sendo perseguido por algum valentão da escola ou ainda melhor: que a "Legião das Meninas Perseguidoras de Ladrão de Agendas" vinha no meu encalço, com paus, pedras e correntes e tinham ganas de me dar a maior surra da história. Me senti ridículo por pensar em tudo aquilo, mas me ajudou a atravessar a praça em pouquíssimos minutos. Ainda correndo, desci a Bernardino de Campos, até que, (FINALMENTE!), cheguei ao prédio onde morava.

* * *
- Nossa, que pressa é essa? - Ouvi minha mãe perguntar assim que entrei em casa batendo a porta.
- Ah! Oi, mãe... - Respondi esbaforido. Minha mãe começava a colocar comida no prato do Thiago, meu irmão caçula. O cheiro da comida era irresistível, mas a urgência em bisbilhotar a agenda da Carina era muito mais importante do que a fome que me roía o estômago.
- Não vai almoçar, não? A Lurdinha fez berinjela à parmeggiana...
- Eca! Detesto berinjela! - Disse, disfarçando com uma cara de nojo. E fui tomando o rumo do meu quarto, mas minha mãe pareceu adivinhar.
- Espera aí, Marcelo! - Disse, levantando da mesa. Ela foi chegando perto de mim, me olhou de alto a baixo e com as mãos na cintura. Talvez achasse estranho eu estar todo suado e ofegante daquele jeito. Sem pestanejar então, fez a pergunta: - Tá acontecendo alguma coisa?
- Acont... - Não continuei. Ao invés disso, tentei disfarçar. - Eu só tô sem fome, mãe... Só isso...
E quando eu ia tentar - mais uma vez - tomar o rumo do meu quarto, ela fez uma nova pergunta. Dessa vez, mais séria e incisiva.
- Você não tá usando droga não, né mocinho? - E ergueu a sobrancelha, desconfiadíssima. Achei graça, mas sufoquei o riso.
- Droga, mãe? Viajou, é?
- Sei lá... Você anda tão esquisito ultimamente... - Considerou. - Meio chapado, de olhos esbugalhados... Até o seu pai já notou...
Sufoquei novamente o riso. Chapado, olhos esbugalhados... Ai, ai... Se havia uma droga, um vício na minha vida, naquele momento, seu nome era Carina. Nada mais parecia importar pra mim, mas ao mesmo tempo, eu sentia uma vontade ainda maior em viver, em ser feliz, em abraçar o mundo! Se aquilo era uma droga, então eu queria permanecer viciado! Resolvi deixá-la tranquila:
- Tem dó, né, mãe? - Disse. - Eu tenho um trabalho de química pra fazer que é foda pra caramba e se eu não começar logo, já viu, né? - E, antes que minha mãe pudesse parecer satisfeita com o meu argumento, antes que ela pudesse fazer uma nova pergunta nada a ver, tratei de tomar o rumo do meu quarto. Mas, novamente, tive que fazer meia-volta, quando ela disse:
- Por falar em química, a Carina interfonou...
- I-interfonou? - Tentei não gaguejar, mas quando se tratava da Carina, era impossível.
- É. - Disse minha mãe, já na mesa. - Ela pediu pra avisar que vai se atrasar pra aula particular que ela marcou com você. Disse que vai ter que dar uma passada na escola. Parece que ela perdeu uma agenda lá e quer ver se algum funcionário encontrou...
Meu coração encolheu.
- Perdeu, é? - Perguntei num fio de voz.
- Perdeu. - Confirmou minha mãe, servindo berinjela pro Thiago, que fez uma careta ainda pior que a minha. - Ela parecia bem chateada...
Meu coração se encolheu ainda mais. Que tipo de cara eu era, meu Deus? Enquanto a menina que eu amava sofria por ter perdido a agenda, eu ali, preocupado em entrar logo no meu quarto e bisbilhotar todos os segredos dela! Eu tinha dentro da minha mochila o objeto que poderia devolver a ela toda a tranquilidade do mundo, e estava mais interessado em esmiuçar tudo o que ela guardava dentro daquelas páginas! A excitação que tomara conta de mim desde que eu encontrara a agenda, foi se aquietando no fundo do meu coração. Eu já não suava frio, nem sentia necessidade quase urgente em me trancar no quarto. Respirei fundo. Joguei a mochila em cima do sofá e cheguei até a mesa.
- Acho que vou comer um pouquinho, mãe... - Disse com a voz quase estrangulada.
- Então vai tomar banho primeiro... - Ela mandou. - Você tá cheirando galinha molhada...
E desgostoso de tudo, me tranquei no banheiro.

* * *
- Dona Dulce?
- Oi, Marcelo... Como vai?
- Ah, vai indo... - A mão trêmula segurando o interfone. - A Carina tá aí?
- Ah, ela tá deitada, meu anjo... - Respondeu dona Dulce. - Ela voltou da escola agorinha a pouco... Parece que ninguém achou a agenda dela...
- E... co-como é que ela tá? - Perguntei, tentando disfarçar a angústia e o bolo que me sufocava a garganta.
- Ah, daquele jeito, querido... - Comentou dona Dulce num suspiro. - Parece que o mundo acabou pra ela... Já falei que depois a gente compra outra agenda, mas sabe como ela é, né?
- Sei... - Disse num suspiro ainda maior que o de dona Dulce. - Diz pra ela que eu liguei, tá?
- Digo sim, querido... Beijinho.
- Outro...
Coloquei o interfone de volta no gancho e fui caminhando meio que de cabeça baixa até o meu quarto. Passei pela minha mãe que já começava a maratona pra voltar ao trabalho, correndo de um lado pro outro, colocando papéis e mais papéis dentro da pasta. Mal ouvi quando ela me deu tchau. Saber que a poucos metros de mim, a Carina estava lá, sofrendo por causa daquela maldita agenda, não me deixou com o astral muito bom, não... Bati a porta do meu quarto com estrondo e, pegando a mochila e deitando na cama, eu a senti novamente entre as mãos. Aquela capa tão bem cuidada... As páginas cor de creme... Tudo parecia tão convidativo, tão insinuante... Minha consciência, no fundo, ainda parecia travar um dilema igual ao de Hamlet. "Ler ou não ler? Eis a questão." Uma parte de mim, bem lá no fundinho, queria que eu lesse, nem que fosse uma página apenas... A outra parte, imaginava uma Carina arrasada, preocupada, que um sacana qualquer estivesse lendo algum segredo bem íntimo... Pensar aquilo, me fez ainda mais mal...
Não. Eu não era um sacana qualquer. Nem deveria ter me passado pela cabeça ficar bisbilhotando, querendo saber do que ela gosta, de quem ela gosta... Eu não acharia legal que fizessem isso comigo.
Eu precisava fazer a coisa certa. Minha curiosidade que se danasse! Foi com esse pensamento, de agenda em punho e coração mais leve, que já estava no hall, esperando o elevador.

* * *

"Coragem, Marcelo! Você só precisa arranjar uma desculpa, que não faça ela ficar puta da vida com você..." Eu mentalizava insistentemente esse pensamento, tentando vasculhar no meu cérebro algo que pudesse dizer. Fiquei com ódio de mim. Eu não devia ter interfonado na casa dela pra assuntar... Agora, qualquer coisa que eu dissesse, ia ser inútil! Já ficava imaginando a cara de reprovação da dona Dulce, como quem diz: "Moleque sem-vergonha! Estava com a agenda o tempo todo e não disse nada! E eu que achava que ele ia ser um genro de ouro..."
Bom, essa última parte foi uma forma que encontrei de descontrair a situação difícil que estava por vir. Enquanto esperava pelo elevador, imaginei o quanto a Carina iria me xingar, o quanto eu tentaria me explicar até que, por fim, ela virasse as costas e dissesse que não queria nunca mais me ver na frente dela... Merda! Só de pensar, dava vontade de chorar... Mas se eu tinha que fazer a coisa certa, também tinha que estar preparado pras consequências que viriam com ela... "Quem sabe ela não fique tão emocionada, a ponto de se atirar nos meus braços e me dar um beijo daqueles?" Confesso que a segunda possibilidade seria muito mais agradável, mas acho que seria um tantinho impossível de acontecer... O elevador parou no meu andar entre rangidos e solavancos. (Prédio velho é uma merda!) Assim que a porta abriu, senti vontade de girar nos calcanhares e descer de escada mesmo... Lá estava o seu Décio, um velhote enjoado e rabugento, e os netos dele (Mustafá, Germano e Afrânio) Sim, era esse mesmo os nomes deles... Eram três moleques, mas valiam por um batalhão inteiro. E o que é pior: eram os melhores amigos do mala sem alça e sem rodinha do meu irmão, o Thiago. Assim que eles me viram, fecharam a cara. Acho que eles ainda se lembravam das porradas que andei dando neles quando me encheram o saco... Entrei, desejando ao seu Décio uma boa tarde, que ele fez questão de não retribuir, apertei o botão do segundo andar e tratei de ficar bem no cantinho do elevador. Quando se tratava daqueles três, era bom não facilitar. Nunca se sabia o que eles iam aprontar. "Coragem, Marcelo... Você vai descer daqui a pouco, eles não vão ter coragem de fazer nada na frente do avô..." A porta do elevador fechou novamente e, eu pude por fim, descobrir que eles não se intimidavam com quem quer que fosse, muito menos com o avô. Mustafá olhou pra mim e, com a maior calma do mundo, começou a apertar todos os botões. Um a um. Do décimo quinto ao térreo. Não ficara um único botão sem apertar! Germano e Afrânio davam risadinhas abafadas, enquanto seu Décio contorcia o bigode me olhando feio, como se eu fosse o culpado por ele ter aquelas pestes por netos. Suspirei, imaginando que poderia muito bem descer no próximo andar e seguir de escadas.
Como eu estava enganado... Quando a porta do elevador se abriu no andar seguinte, o oitavo, entraram dona Telma e as filhas, duas meninas da minha idade, mas metidas até dizer chega. Fiz menção de sair, mas as duas nojentas me barraram a passagem. Tive que comprimir as costas na parede do elevador. Não tive tempo sequer de pedir licença.
Quando percebeu todos os botões estavam apertados, dona Telma torceu ligeiramente o nariz. Olhou feio pra mim, que olhei mais feio ainda pra ela e depois olhou pros três moleques. A viagem prometia ser longa... O elevador desceu mais um andar, o sétimo. O rangido parecia cada vez mais forte. A porta se abriu e vi, com desespero, a próxima passageira: dona Jurema. Carinhosamente chamada por todos no prédio de dona Jamanta. Ela era tão grande e tão gorda, que se houvesse o naufrágio de um transatlântico, todos os passageiros se salvariam se agarrando nela. Assim que nos viu, dona Jamanta abriu um imenso e simpático sorriso, distribuiu meia dúzia de olás e foi entrando.
- Tá lotado! Tá lotado! - Gritei desesperado, sentindo que dona Jamanta à medida que ia entrando, empurrava com sua imensa barriga, as duas filhas nojentas da dona Telma contra mim. Fiquei praticamente sem ar, comprimido entre a parede do elevador e as duas meninas. Mas apesar do sufoco, não pude deixar de sentir um certo prazer quando vi Mustafá, Germano e Afrânio, igualmente prensados contra a parede do elevador.
- Ora, Marcelinho... - Disse dona Jamanta com um sorriso. - Isso aqui é igual coração de mãe: sempre cabe mais um!
Eu não sabia se ria ou se chorava. Comprimi a agenda contra o peito, preocupado de que o peso de dona Jamanta e aquelas duas enjoadas em cima de mim pudessem amassá-la. Tudo bem se eu quebrasse uma ou duas costelas, mas a agenda da Carina, não podia sofrer um arranhão sequer! A porta do elevador se fechara novamente e, ao invés do rangido familiar, o que ouvimos foi algo bem diferente. O barulho do motor roncava e os solavancos ficaram mais fortes. Um cheiro de queimado parecia querer invadir a cabine. Dona Telma arregalou os olhos. Um último solavanco pra baixo e o elevador parou. As luzes foram falhando, falhando, até que tudo ficou na mais absoluta escuridão.
Foi um desespero só! As filhas da dona Telma começaram a gritar, desesperadas, sapateando feito doidas. Tudo bem, não fosse pelo fato de as duas estarem a poucos centímetros dos meus ouvidos e os seus pés estarem praticamente em cima dos meus. Seu Décio teve o bom senso em apertar o botão de emergência. Uma campainha soou alta. Uma, duas, três, dez vezes e nada do zelador aparecer. Com certeza o coitado devia estar em horário de almoço, puxando um ronco, sei lá... Mais uma vez, seu Décio fez soar a campainha. Uma, duas, três, vinte vezes... Nada ainda. O jeito seria esperar. Mas não seria fácil. Meu corpo todo havia ficado dormente. Tentei mexer os pés, que formigavam violentamente, mas as duas enjoadas continuavam empoleiradas em cima deles. Bom, pelo menos elas tinham parado de gritar. Todos já pareciam devidamente acostumados com aquilo quando alguém soltou um "ai".
- O que foi? O que foi? - Perguntou dona Telma em desespero.
- Meu Deus... Estou com... falta de ar... - Foi só isso que dona Jamanta teve tempo de falar. A velha simplesmente desmaiou! E como não havia espaço suficiente naquele cubículo pra uma pessoa do tamanho dela cair, ela simplesmente começou a despencar em cima de nós. O que aconteceu então, foi uma luta pela vida... Dona Jamanta vinha despencando e nós a empurrávamos pra trás. Ela despencava, a gente a empurrava pra trás. Ficamos nisso acho que uns quinze minutos, enquanto dona Telma e as filhas gritavam por socorro e o seu Décio apertava insistente, o botão de emergência. Quando eu achava que nada mais podia ficar pior, escutei alguém tendo engulhos. Pra quê! Mal tive tempo de mexer: não sei quem foi. Se foi o Afrânio, o Germano ou o Mustafá, mas um deles, gritou um hugo nervoso ali dentro. Senti a minha perna toda salpicada de vômito e o cheiro que subiu era insuportável... "E eu que queria apenas devolver uma agenda! " Pensei enquanto não sabia se sentia nojo, se empurrava a dona Jamanta pra trás e evitava morrer amassado, ou se sentia dor nos pés e nos ouvidos, com o peso e o grito daquelas duas. Aquilo pareceu uma jornada ao inferno, uma verdadeira eternidade! Dona Telma encheu a cara da pobre da dona Jamanta de bofetadas até fazer a infeliz acordar. Quando ela finalmente pareceu recuperar a consciência, ouvimos um estalido e a porta do elevador foi forçada manualmente, até abrir por completo. Até que enfim! A cavalaria chegara! Foi um verdadeiro alívio... Todos, exceto eu, saíram mais que depressa dali de dentro. Eu permaneci estático, pregado à parede. Me atrevi a dar um passo, mas as pernas não obedeciam. Tentei falar alguma coisa, mas o ar parecia me faltar... Só consegui sair dali com a ajuda do seu Humberto, o zelador. Ele fez com que eu me apoiasse nele foi me tirando bem devagar dali de dentro... Meu Deus, que mico! Que King Kong! Enquanto eu buscava forças pra massagear as pernas, ouvi uma inacreditável dona Jamanta falando com o ar mais cândido do mundo:
- Esse elevador precisa de revisão, seu Humberto... Não sei o que fez ele travar desse jeito!
Ninguém merece!
* * *
Passado todo aquele sufoco e com a perna devidamente limpa dos salpicos de vômito e já recuperada dos pisões, decidi descer até o apê da Carina de escadas. Fui descendo devagar, degrau por degrau. Era bom não abusar... Assim que terminei o primeiro lance de escadas, entendi porquê.
Uma cãimbra pareceu rasgar a minha panturrilha ao meio. Senti uma dor tão intensa, que perdi as forças. Segurei com uma das mãos no corrimão e antes que eu pudesse impedir, a agenda da Carina rolou escada abaixo, indo parar a alguns centímetros longe de mim. Sentei num dos degraus e massageei devagar a perna. Parecia que tinham fincado uma faca! Assim que melhorei, tratei de me levantar devagar. Olhei pra baixo. A agenda da Carina, ali no chão, estava aberta. Pra quem quisesse olhar. As folhas balançando suaves, convidativas. O desejo de bisbilhotar quis se apoderar de mim. Eu ainda poderia saber qualquer coisa sobre ela... Do que ela gostava... De quem ela gostava...
Não. Eu não devia. Afastei esse pensamento e desci os degraus seguintes para pegá-la do chão. Se ela gostasse de alguém, não era da minha conta! Ou melhor, seria da minha conta, se fosse de mim que ela gostasse...
"Mas se ela gosta de mim, provavelmente, está escrito na agenda..." Senti aquele diabinho fincando meus pensamentos e minha consciência com seu garfinho.
NÃO! NÃO! MIL VEZES NÃO! Eu não vou olhar!
Me abaixei para pegá-la. Continuava firme no propósito de não ler nada que estivesse escrito ali.
Mas o que vi, era tão grande, tão evidente, que era impossível não ler...
A folha estava ali. E me mostrava algo, que, no começo, eu não queria acreditar...
Segurei a agenda. As mãos tremendo, o coração palpitando forte.
Ali, na única folha que não deveria ter sido aberta por mim, ali, naquela página, estava a resposta pra minha grande dúvida.
Senti os olhos se encherem de lágrimas.
Naquela página, havia um imenso coração vermelho, atravessado não por uma, mas por várias flechas. E dentro dele, escrito em dourado com letra bonita e legível, vi desgostoso as inicias C e C.
CARINA E CRISTIANO...
Então, ela estava namorando, ficando ou sei lá mais o quê com o Cristiano Labate, da oitava C...
Eu devia saber. Era muita pretensão da minha parte achar que uma menina como a Carina, fosse olhar pra mim... Era ingenuidade minha achar que ela fosse capaz de resistir às investidas do Cristiano... Burra da menina que não topasse ficar ou namorar com ele.
Senti as pernas bambas e me vi obrigado a sentar no chão. Não era efeito da cãimbra ou dos pisões das filhas da dona Telma, mas antes fosse...
Eu não tinha mais forças pra nada, a não ser chorar. Meu coração foi se aquietando de um jeito tão assustador, que eu pensei que ele fosse desaparecer de dentro do meu peito. Era uma dor tão funda, tão terrível, tão insuportável, que teria sido melhor morrer a enfrentá-la...
E entre choros, soluços, dores que pareciam não querer acabar nunca, uma sensação de vazio, de que o mundo perdera a cor e de que todas as borboletas em meu estômago morriam de tristeza naquele instante, fiquei ali, largado entre os degraus daquela escada. Querendo que garotos bonitos como Cristiano Labate não existissem, querendo que o mundo acabasse de vez. Ou, se não acabasse, que ao menos ele fosse do tamanho de um elevador escuro e quebrado. Bem menos triste e assustador...
(Continua)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Borboletas no estômago (Parte III)

Como eu já esperava, a primeira coisa que o Ricardo veio perguntar assim que entrei na classe, era se eu havia conseguido falar com a Carina. Contei pra ele da nossa conversa, inclusive, a forma estranha como ela havia me tratado. E como eu já esperava, ele ficou puto comigo:
- Cara, mas você é mesmo um mané! - Cochichou, me dando um cascudo pra lá de doído.
- Ai, ai, ô! - Reclamei, massageando a cabeça. - Que culpa eu tenho se me faltou coragem? Te juro, meu! Eu quase falei, mas na hora, acabou saindo outra coisa completamente diferente!
- É, zé mané? E o que foi que saiu? - Perguntou Ricardo impaciente.
- Pedi pra ela me ajudar com química... - Falei baixo e desanimado.
- Marcelo, como tu é original, rapaz! - Ironizou. - Você tem cara de pedir pra uma mina como a Carina te ensinar química, matemática e o escambau, mas na hora de pedir um beijo... - Ricardo nem continuou. Ele tava tão chapado comigo, que se pudesse, ele me dava uma surra ali, na frente de todo mundo. Tentei reagir:
- E quem você pensa que é pra falar desse jeito, cara? - Disparei. - Até parece que você é o conquistador número um escola!
- Número um, não... - Disse ele, se emproando todo. - Mas o número dois, com toda certeza eu sou! - E riu gostoso.
- Ah, tá! Falou o galã! - Debochei, rindo também.
- Não, mas agora é sério, Marcelão: você tem que tomar uma atitude, meu! - Aconselhou Ricardo dando uns tapinhas nas minhas costas. - Você vai deixar pra falar com a Carina na hora em que ela tiver ficando com outro?
- Você já me disse isso na hora do intervalo, lembra? - Falei.
- Lembro. Mas parece que você não levou nem um pouquinho à sério... - Respondeu Ricardo torcendo o nariz pra mim. E me puxou pra mais perto, como se estivesse pra me contar um segredo de estado: - Agora eu vou te falar um negócio... Eu não devia me meter, mas como tu é meu amigo, acho que eu tenho que te avisar.
- Nossa, o que foi? - Meu coração pareceu se encolher.
- A Flávia me contou que o Labate... Você conhece o Labate, né? - Perguntou, interrompendo a revelação que estava prestes a fazer. Se ele havia sabido de alguma coisa pela Flávia, eu podia confiar. A Flávia era a melhor amiga da Carina e, de uns tempos pra cá, estava ficando com o Ricardo.
- O Cristiano Labate, da oitava C? - Perguntei, sentindo o coração se encolher ainda mais.
- Esse mesmo! - Disse Ricardo. E me puxando pra mais perto, cochichou: - A Flávia me contou que ele anda dando umas migué, querendo saber se a Carina tá com alguém... Ela falou que ele adicionou a Carina no orkut, no msn...
- E a Carina? - A pergunta veio quase estrangulada. Meu coração ficou menor que um grão de feijão, mas pulsava com tanta violência, que doía no peito. - A Carina tá curtindo?
- Ah, isso ela não falou, não... - Respondeu Ricardo, como que encerrando o assunto. Filho da mãe! Se era pra contar a história só pela metade, era melhor não ter contado! Meu estômago se revirou dez, quinze, vinte vezes. Não, não eram as borboletas, mas o medo de perder a Carina pra outro. E que outro! Se a Carina decidisse ficar com ele, seria fácil de entender... O Cristiano Labate era o cara! Podia não ser muito bom quando abria a boca, pois tinha uns papinhos nada a ver, mas verdade seja dita, ele era o sonho de consumo da metade das meninas da escola. Nós, os pobres e meros garotos, parecíamos deixar de existir quando ele estava por perto. Dei um suspiro sentido. Não havia a menor chance! O cara estava em vantagem: sabia como chegar numa menina, já estava conversando com a Carina no msn... Talvez até... Não. Eu não queria acreditar no que me passou pela cabeça. E... "SE ELES JÁ ESTIVEREM FICANDO???????????"
- O que foi, Marcelão? - Perguntou Ricardo, vendo minha cara de derrota.
- E você ainda fica me incentivando a chegar na Carina... - Murmurei, sentindo um nó na garganta, uma vontade doida de chorar. Dei uma espiada na fileira de carteiras perto da janela. Carina copiava a matéria compenetrada, até que largou a caneta por alguns instantes e soltou a presilha que segurava aquele cabelo lindo num rabo de cavalo. Aqueles cachos pareceram dançar por estarem livres, soltos. Ela então, virou a cabeça e, por um breve momento, seus olhos encontraram os meus. Fiquei perdido na imensidão daqueles olhos, sentindo uma vontade louca de desaparecer dentro deles, até chegar ao coração dela. Carina me observou séria. "O que ela ia ver num cara como eu?" Pensei, sentindo o peito ardendo. Talvez porque pudesse ler pensamentos, ou porque a minha cara de cachorro sem dono parecia evidente demais, ela pareceu achar graça de alguma coisa, abrindo aquele sorriso cada dia mais lindo. Fez um aceno pra mim, pegou a caneta e recomeçou a copiar a matéria.
- Corre enquanto é tempo, Marcelão... - Aconselhou Ricardo, que ficou observando nós dois. - É melhor arriscar do que ficar chupando o dedo depois!
- Acho que já era, Ricardo... - Comentei, dando um suspiro desanimado, derrotado. - O Labate é mil vezes melhor do que eu...
- Deixa de falar abobrinha, ô! - Disse impaciente. - O Labate pode ser bonitão, pode ficar com qualquer menina, mas você acha que a Carina vai preferir ele do que você?
- É óbvio, né? - Respondi.
- Larga mão, Marcelo! - Disse Ricardo. E eu notei que ele ia agora tentar levantar a minha moral: - Você é gente fina, inteligente... - Ele ficou em silêncio por alguns segundos, e considerou: - Tá certo que, você não é bonitão como o Labate, que não faz muito sucesso com as meninas, mas... e daí? Tenho certeza de que se a Carina pudesse escolher, ela ia escolher você!
- Ainda bem que você me anima! - Disse achando graça.
- Mas é verdade! Você e a Carina formam um casal bacana. Vai ser mancada se vocês não acabarem ficando juntos... - E mudando o tom, disse: - Agora, eu só não entendo uma coisa...
- O quê? - Perguntei curioso.
- Como é que, a Carina, sendo tão inteligente, foi cair nesse seu papinho de tá mal em matemática e química? Você é tão ou mais cdf que ela!
- Sei lá! - Respondi. - Achei que valia a pena arriscar...
E rimos baixinho. Senti então, que um par de olhos nos observava com atenção. Como os de uma águia no topo de uma árvore observando a presa distraída, no solo. Ricardo e eu vimos o professor Giroto, de química, nos olhando sério, com a boca retorcida e as mãos na cintura de barril. Pior do que isso, foi ver que toda a classe também nos olhava, dando risinhos disfarçados, achando graça. O professor Giroto era assim: ensinava química como ninguém. Tolerava que, os alunos debatessem durante a aula, mas somente coisas relacionadas à matéria. Agora, quando ele estava passando a matéria no quadro, o silêncio tinha que imperar. Do contrário, ele parava, punha as mãos na cintura e ficava olhando para o aluno que estivesse conversando até o infeliz se tocar. Quando era só isso, tudo bem. Mas naquele dia, quando ele viu o Ricardo e eu aos cochichos, não se conteve em comentar maldoso:
- Meus amores! Vamos deixar pra discutir a relação fora da sala de aula? - Disse irônico e venenoso. A classe inteira explodiu em risadas. Foi a maior zoação! Ricardo resmungou alguma coisa, pegou o caderno e começou a copiar a matéria. Fiquei vermelho feito um pimentão. Não pelo comentário do Giroto. Com isso eu já tava acostumado. Mas depois fiquei pilhado, pensando se por um acaso alguém tinha ouvido a gente falar da Carina.
- Discutir a relação! - Resmungou Ricardo. - Ele acha que todo mundo é baitola igual ele!
Sufoquei o riso. Comecei a copiar a matéria, lembrando com desânimo que ia ter que aguentar o mala daquele professor mais quarenta e cinco minutos. Aula dupla de química em plena sexta-feira, ninguém merece!
À medida que o tempo foi passando, a galera foi se esquecendo da brincadeira que o Giroto fez comigo e com o Ricardo. Quem parecia não ter esquecido ainda era o Ricardo. Sempre que levantava os olhos pra copiar a matéria no quadro, ele dava uma olhada feia pro Giroto, como se quisesse matá-lo só com o olhar. Rabiscando alguma coisa no canto da folha, ele falou entredentes:
- Sacana! Zoando com a sexualidade dos outros assim! - E dizendo isso, bufou forte. - Se não fosse um mico federal pai ou mãe vir na escola pra reclamar, eu contava pros meus pais o que esse mala sem alça e sem rodinha disse!
- Desencana, Ricardo! - Aconselhei baixinho. - Era só zoeira...
- Hum! - Deu um muxoxo contrariado. Achei melhor deixar pra lá. Quando o Ricardo ficava bravo, o jeito era deixar quieto. Ele só se animou de novo, durante a aula de Artes, as duas últimas. Enquanto dona Malu tentava ensinar pra classe pela enésima vez, como se fazia o origami de um cisne, Ricardo tornou a tocar no assunto que eu estava tentando evitar:
- Olha, Marcelão! É hoje ou nunca mais, hein? - Disse, incentivando.
- Tá bom, Ricardo... Tá bom... - Respondi num suspiro, enquanto percebia desanimado, que a minha dobradura parecia tudo, menos um cisne.
O sinal tocou pontualmente às 13h15 e, como era de se esperar, a turma toda fez a maior bagunça pra sair. Estiquei o pescoço tentando ver se ainda pegava a Carina e confirmar com ela a nossa aula particular de hoje à tarde. Ela parecia apressada. Foi pegando fichário, apostilas, estojo, blusa, tudo de qualquer jeito e foi saindo. Só o Ricardo e eu continuamos ali, guardando nossas coisas devagar, sem pressa. Ele estava super empolgado, fazendo mil planos pro sábado à noite:
- Se tudo der certo, a gente podia ir amanhã no Bananarama, né? - Sugeriu. - Já pensou, Marcelão? Eu e a Flávia e você e a Carina? Ia ser bom demais!
- Ou, se tudo der errado, amanhã eu vou estar trancando no meu quarto, chorando e com uma vontade louca de cortar os pulsos! - Comentei deprimido.
- Larga mão, Marcelo! - Censurou Ricardo me dando outro daqueles cascudos super doloridos. - Fica com esse papo de emo, meu! Coisa mais sem noção...
Achei graça. Já estávamos saindo quando dei uma última olhada pra carteira vazia da Carina e notei algo.
- Espera só um pouco, Ricardo... - Disse, largando minhas coisas em cima de uma cadeira e indo até a carteira vazia da Carina. Embaixo da cadeira, num suporte onde se costuma guardar os cadernos e apostilas, havia uma agenda com uma carinha sorridente em alto relevo. Abri a primeira página e vi o nome dela escrito naquela letra redonda e bem feita. Ricardo assim que me viu com a agenda na mão, correu pra mim.
- Caraca, Marcelão! - Disse espantado. - A mina esqueceu a agenda! Vai! - Falou me dando um empurrão. - Abre aí pra gente dar uma espiada!
- Cê tá louco, Ricardo? - Perguntei com espanto. - Cê acha que eu vou ficar fuçando na agenda dela, assim, na cara larga?
- Ah, Marcelo! - Começou Ricardo. - Não sacrifica, meu! Quando que alguém tem uma sorte como a tua? Você sabe o que é isso?
Fiz uma cara debochada de lesado pra ele.
- Hã... uma agenda? - Perguntei numa voz molenga.
- Não, cara! - Começou Ricardo, olhando pra agenda como quem olha um tesouro. - Isso daí, meu, é a resposta pra todas as tuas perguntas! Se ela escreveu alguma coisa de você, com certeza tá aí dentro!
- E você acha que eu vou espionar a vida dela, ô? - Argumentei, embora no fundo no fundo, eu sentia uma vontade louca de fazer justamente o contrário.
- Se você não der uma espiadinha que seja, então você é muito otário, meu! - Disse Ricardo impaciente. - Você não tá arrancando a roupa dela... Você só tá se informando, do que ela gosta... de QUEM ela gosta...
- Hum... não sei não... - Disse confuso.
- Se você acha que não vale a pena, então, paciência... - E terminando de dizer isso, ele pegou suas coisas e foi saindo, me deixando ali, sozinho.
Em meio ao silêncio que pairava por toda a escola, fiquei observando a agenda. Meus dedos formigavam de prazer, como se, ao invés de uma simples agenda, eu estivesse tocando a pele branca e perfumada da Carina. Abri a primeira página e olhei novamente os dados pessoais que ela cuidadosamente preenchera. Idade, tipo sanguíneo, endereço, era alérgica a quê, etc, etc. Tive o ímpeto de passar para a página seguinte. Meu coração batia alucinado, emocionado com aquela experiência quase que, transcendental.
Como se tivesse caído em mim, fechei rapidamente a agenda, peguei minhas coisas e fui saindo.
Não, eu não ia ler a agenda da Carina.
Pelo menos, não ali...
(Continua)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Borboletas no estômago (Parte II)

- Mas por que você não contou tudo pra ela, cara? - Ricardo me olhava pasmo.
- Não deu, cara! Não deu! - Foi a única coisa que me ocorreu dizer. (Na verdade, nem eu acreditava que a minha covardia tivesse justificativa.) - No fundo, no fundo, eu queria ter chegado nela e... Ah, sei lá! Nem sei mais o que eu devia ter feito!
- Marcelo, você tava com ela sozinho em casa, os dois assim, pertinho um do outro, estudando a droga da matemática e não te passou pela cabeça fazer um carinho que fosse nela? Dá licença! - Ricardo parecia mais e mais inconformado.
- Você acha que é fácil, Ricardo? - Tentei argumentar.
- Fácil pode não ser, mas também não é difícil... - Disse Ricardo, dando uma bela dentada na esfiha que havia comprado na cantina. Bebericou um gole de coca-cola e continuou: - Se você tivesse chegado nela, como quem não quer nada... Podia perguntar se ela tava sozinha, se ela tava gostando de alguém... Tipo, papo de amigo, confidência, entendeu?
- Olha bem pra minha cara, Ricardo! - Eu comecei. - Tá escrito na minha testa MASOQUISTA? Tá? E se eu pergunto tudo isso que você falou e ela diz que gosta de outro? Como é que eu ia ficar?
- Ah, pelo menos você desencanava, véi! - Respondeu, dando outra mordida na suculenta esfiha. Filho da mãe, eu naquela angústia toda, pensando na minha falta de coragem em contar pra Carina o que eu sentia e ele nem pra me oferecer uma mordida! Putz, eu tava apaixonado mas também tava com fome! Ele mastigou mais um pouco, pensou mais um tanto e continuou: - Agora, se quer saber, eu acho que se você continuar marcando, ela vai acabar arranjando outro carinha e te deixar chupando o dedo!
- Será? - Perguntei, sentindo o meu estômago revirando, só que dessa vez, de angústia.
- Cê tem alguma dúvida? Você acha que uma menina ajeitada como a Carina, não tem uma porção de neguinho dando em cima? Se você não chegar junto logo, outro vem e crau! - Ricardo fez uma careta e cuspiu uma azeitona longe. - Credo, detesto azeitona!
Dei uma olhada no relógio. Tinha mais dez minutos de intervalo. Seria tempo suficiente pra conseguir falar com a Carina. Ou pelo menos tentar... Abrir o coração ou, chegar junto, como o Ricardo costumava falar. Respirei fundo. Peguei o copo de coca-cola da mão do Ricardo (que naquela altura já estava no segundo salgado e não me ofereceu. Pra variar, né?), tomei um gole grande, que quase me fez engasgar e saí procurando pela Carina.
-Ô, Marcelo! - Gritou Ricardo. - Onde cê vai?
Virei rápido na direção dele, fazendo um gesto com a mão de "Güenta aí, que eu já volto!" Eu sentia uma energia diferente correndo por todo o meu corpo, como se eu estivesse ligado numa tomada de 220 volts. Só de pensar que naquele instante, em qualquer canto da escola, havia um cara disposto a tentar ficar com a Carina, a tentar namorar com ela, me deixava elétrico, furioso e... desesperado, claro! Atravessei o pátio lotado olhando em todos os lugares possíveis e imagináveis onde a Carina poderia estar. Meu coração batia depressa. Olhei o relógio: só mais cinco minutos! Putz! Eu continuava olhando tudo. Afobado, suado, desesperado, como se o destino da humanidade estivesse nas minhas mãos. (Menos, Marcelo!) Mas era o meu futuro que estava em jogo, né? Se alguma coisa desse errado, teria as mesmas proporções de uma hecatombe nuclear! Já estava quase a ponto de berrar o nome dela, quando então...
Ali estava ela... Em meio a tantas garotas, a número um. A única. A garota que era a razão pela qual eu gostava tanto de ir pra escola ultimamente... Senti um imenso alívio ao vê-la conversando com as outras garotas da nossa classe. Ela ria gostoso e parecia que o sorriso dela, refletia a luz do sol e iluminava a tudo e a todos. Se ela tivesse sorrido antes, eu teria encontrado aquele sorriso em meio a bilhões e bilhões de outros sorrisos!
Aquela sensação de eletricidade, foi rapidamente substituída por um formigamento gostoso, como se os meus poros pipocassem de paixão. Senti as pernas e os braços moles, como se pudesse levitar a qualquer momento. Dizem que, quando a gente ama, a sensação mais marcante que se tem, é a de que o nosso estômago parece ficar cheio de borboletas, que ficam ali, confinadas, voando, voando... Bom, se aquilo era verdade, se as borboletas no meu estômago escapassem naquele instante, elas iriam colorir a escola inteira!
Carina virou o rosto e seu olhar encontrou ou meu. Esperava que ela abrisse o sorriso mais lindo do mundo, mas ela me olhou ressabiada. Com certa desconfiança. Aquilo me partiu em mil pedaços. As amigas dela, vendo a expressão fechada em seu rosto, olharam também na minha direção. Uma delas cochichou alguma coisa pra Carina, que continuava me encarando com certo estranhamento. Fiz um gesto de "posso falar com você?". As meninas continuaram me olhando, como se eu fosse a coisa mais estranha na face da Terra. Carina cochichou alguma coisa pra elas e veio ao meu encontro. Veio depressa, como se não estivesse muito satisfeita em interromper a conversa com as amigas. A sensação de sonho, de leveza e até mesmo todas as borboletas que eu carregava no meu estômago, pareceram desaparecer por completo.
- Fala, Marcelo... - Disse ela, com secura.
Peraí! "Fala, Marcelo..." ? E aquela abreviação que eu tanto gostava de ouvir? (Por favor, diz! Diz que eu quero ouvir!) Tentei não me abalar. Primeiro, porque ela não parecia disposta a ficar muito tempo ali, me ouvindo. E segundo, porque o tempo de que eu dispunha era curtíssimo.
- E então, Marcelo? O que você quer falar comigo? - Perguntou séria.
- Você... - (Não gagueja, mané! Não gagueja!) - ...você deve tá me achando um tremendo otário, né?
- Por quê? - A pergunta dela soou sem nenhuma emoção. Eu não sentia mais doçura na voz dela. Aquela doçura que sempre me encantou...
- Ah, eu me comportei feito um babaca ontem... Você tentando falar comigo, e eu viajando, pensando em outras coisas...
- Pois é... - Concordou ela, cada vez mais seca. - Nem sei o que eu fui fazer lá na tua casa... Eu ficava falando, você fingia que escutava, eu achava que tava conseguindo te ensinar aquela droga de equação... Realmente, parece que ontem a gente não tava na mesma sintonia, né?
- É, você tem razão... - Concordei, ficando vermelho. - Você tem todos os motivos do mundo pra me achar um lesado, um tonto mas eu só queria que você entendesse... - Senti que minha garganta queria fechar.
- Entender o quê? - Perguntou e, eu notei que a sua testa franziu.
- Se eu tava daquele jeito, é porque tinha uma razão... - Minha garganta se apertava gradativamente, como se a mão invisível de alguém tentasse me estrangular. - E eu queria que você entendesse que...
- Você tá sendo repetitivo, Marcelo. Se você não disser, como eu vou entender? - Interrompeu com certa irritação.
- É, cê tá certa... - Concordei, ficando ainda mais vermelho. - Eu queria que você soubesse que eu só...
UÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!!!!
O sinal anunciando o final do intervalo tocou estridente por toda a escola, fazendo os outros alunos ficarem alvoroçados e Carina super impaciente.
- Vai, fala logo, Marcelo! Eu preciso terminar de contar um negócio pras minhas amigas! - Apressou.
Vai, Marcelo! Coragem, cara! Diz pra ela que você não pensa em mais nada a não ser nela! Enchi os pulmões com todo o ar possível, tentando me livrar da mão invisível que continuava me sufocando e, quando fui dizer tudo, meu cérebro pareceu me trair e, a frase que saiu, foi a mais imbecil do mundo:
- Você pode ir lá em casa de novo? Eu preciso de uma ajuda com a matéria de química...
Socorro! Química?! Eu quis gritar, eu quis ter uma perna elástica pra dar um grande chute no meu saco e ficar rolando no chão, de tanta dor! E o "Eu te amo"? Onde você o enfiou? Não, não quero nem saber!
Carina me olhou de esguelha, como se me examinasse. Por fim, perguntou, um tanto pasma:
- Era só isso?
- É... - Bufei, com ódio de mim mesmo. - E vai ser bom, porque a gente pode conversar com mais calma...
- Você não merece, mas eu vou fazer uma nova tentativa... - E quando ela terminou de dizer isso, um sorriso gostoso se iluminou em seu rosto. Como se ela dissesse que, apesar de tudo, de eu ser um total e completo imbecil, ela não conseguia sentir raiva de mim. Mas eu tava morrendo de ódio de mim! Da minha total falta de coragem! Burro! - Então tá combinado... Hoje à tarde na tua casa. Agora deixa eu ir... Daqui a pouco a gente se fala na classe.
Ela começou a se afastar e, quando o segundo sinal tocou e a algazarra dos outros alunos ficou ainda maior, juntei todas as forças que tinha e berrei, louco:
- EU AMO VOCÊ, CARINA!!!!!
Carina parou por um instante. Senti como se um raio tivesse me atingido em cheio. Recuei, apavorado, gelado, abobado e quase mijado e cagado! "Será que ela ouviu, meu Deus? Tô fu...!" Pensei em pânico. Carina se virou devagar e me encarou séria. Mesmo com toda aquela algazarra, eu consegui ouvi-la perfeitamente:
- O que foi que você disse?
Dei um suspiro aliviado. Não, ela não ouviu... Estava salvo. Pelo menos por enquanto. Achei que ela fosse virar as costas e ir embora, mas ela tornou a perguntar, me deixando meio sem saída:
- O que foi que você disse, Marcelo?
Pensei rápido:
- Eu disse que mais tarde a gente se vê...
- Ah, tá... - Ela pareceu satisfeita com a minha resposta.
"Idiota!" Pensei, já imaginando o quanto Ricardo ia me pilhar quando me encontrasse. Desanimado, fui deixando o pátio já quase vazio, enquanto via Carina ao longe com suas amigas. As borboletas no meu estômago pareceram se encolher de tanta decepção.
Realmente, eu era um covarde de pai e mãe!
(Continua)