terça-feira, 23 de março de 2010

Borboletas no estômago (Parte IV)

O caminho de volta pra casa me pareceu uma eternidade. Eu morava a poucas quadras da escola, dava perfeitamente para ir a pé, mas naquele instante, a impressão que eu tinha era de que precisaria atravessar a cidade inteira até chegar ao meu destino final. Cara, como eu queria já estar no meu quarto, trancado, apertando contra o peito a agenda da Carina, sentir a textura das páginas onde ela escrevia as coisas que lhe passavam pela cabeça! Eu suava frio e meu corpo todo tremia. Medo, excitação, curiosidade, desejo... Era uma mistura de sensações tão forte, que eu parecia embriagado. Mas também tinha aquela impressão de que todos na rua voltavam os olhares pra mim, como se me condenassem, como se me olhassem com desconfiança e reprovação. Eu me senti como um criminoso que acabara de fugir da prisão, ou um ladrão que acabara de assaltar um banco. Me agarrei ainda mais à minha mochila e apertei o passo mais um pouco, mesmo com as panturrilhas ferroando horrores. Atravessei as ruas seguintes sem me preocupar muito se vinha carro ou não, fingi que não ouvi quando a Laura, uma colega de classe, me chamou de dentro da Salgaderia Glutão, dei vários encontrões com o povo na rua, sem me preocupar sequer em pedir desculpas, enfim... Seguia sempre depressa e aos tropeções, buscando minha casa como quem busca o mais seguro dos refúgios. Meu coração se encheu de alívio quando avistei na esquina seguinte o começo da praça Luís de Camões. Agora só precisava atravessá-la! Aquela sensação de proximidade, me deixou ainda mais excitado. Assim que atravessei a rua até a calçada da praça, comecei a correr como um doido. Pra motivar minhas panturrilhas doloridas, fiquei imaginando enquanto corria, que estava sendo perseguido por algum valentão da escola ou ainda melhor: que a "Legião das Meninas Perseguidoras de Ladrão de Agendas" vinha no meu encalço, com paus, pedras e correntes e tinham ganas de me dar a maior surra da história. Me senti ridículo por pensar em tudo aquilo, mas me ajudou a atravessar a praça em pouquíssimos minutos. Ainda correndo, desci a Bernardino de Campos, até que, (FINALMENTE!), cheguei ao prédio onde morava.

* * *
- Nossa, que pressa é essa? - Ouvi minha mãe perguntar assim que entrei em casa batendo a porta.
- Ah! Oi, mãe... - Respondi esbaforido. Minha mãe começava a colocar comida no prato do Thiago, meu irmão caçula. O cheiro da comida era irresistível, mas a urgência em bisbilhotar a agenda da Carina era muito mais importante do que a fome que me roía o estômago.
- Não vai almoçar, não? A Lurdinha fez berinjela à parmeggiana...
- Eca! Detesto berinjela! - Disse, disfarçando com uma cara de nojo. E fui tomando o rumo do meu quarto, mas minha mãe pareceu adivinhar.
- Espera aí, Marcelo! - Disse, levantando da mesa. Ela foi chegando perto de mim, me olhou de alto a baixo e com as mãos na cintura. Talvez achasse estranho eu estar todo suado e ofegante daquele jeito. Sem pestanejar então, fez a pergunta: - Tá acontecendo alguma coisa?
- Acont... - Não continuei. Ao invés disso, tentei disfarçar. - Eu só tô sem fome, mãe... Só isso...
E quando eu ia tentar - mais uma vez - tomar o rumo do meu quarto, ela fez uma nova pergunta. Dessa vez, mais séria e incisiva.
- Você não tá usando droga não, né mocinho? - E ergueu a sobrancelha, desconfiadíssima. Achei graça, mas sufoquei o riso.
- Droga, mãe? Viajou, é?
- Sei lá... Você anda tão esquisito ultimamente... - Considerou. - Meio chapado, de olhos esbugalhados... Até o seu pai já notou...
Sufoquei novamente o riso. Chapado, olhos esbugalhados... Ai, ai... Se havia uma droga, um vício na minha vida, naquele momento, seu nome era Carina. Nada mais parecia importar pra mim, mas ao mesmo tempo, eu sentia uma vontade ainda maior em viver, em ser feliz, em abraçar o mundo! Se aquilo era uma droga, então eu queria permanecer viciado! Resolvi deixá-la tranquila:
- Tem dó, né, mãe? - Disse. - Eu tenho um trabalho de química pra fazer que é foda pra caramba e se eu não começar logo, já viu, né? - E, antes que minha mãe pudesse parecer satisfeita com o meu argumento, antes que ela pudesse fazer uma nova pergunta nada a ver, tratei de tomar o rumo do meu quarto. Mas, novamente, tive que fazer meia-volta, quando ela disse:
- Por falar em química, a Carina interfonou...
- I-interfonou? - Tentei não gaguejar, mas quando se tratava da Carina, era impossível.
- É. - Disse minha mãe, já na mesa. - Ela pediu pra avisar que vai se atrasar pra aula particular que ela marcou com você. Disse que vai ter que dar uma passada na escola. Parece que ela perdeu uma agenda lá e quer ver se algum funcionário encontrou...
Meu coração encolheu.
- Perdeu, é? - Perguntei num fio de voz.
- Perdeu. - Confirmou minha mãe, servindo berinjela pro Thiago, que fez uma careta ainda pior que a minha. - Ela parecia bem chateada...
Meu coração se encolheu ainda mais. Que tipo de cara eu era, meu Deus? Enquanto a menina que eu amava sofria por ter perdido a agenda, eu ali, preocupado em entrar logo no meu quarto e bisbilhotar todos os segredos dela! Eu tinha dentro da minha mochila o objeto que poderia devolver a ela toda a tranquilidade do mundo, e estava mais interessado em esmiuçar tudo o que ela guardava dentro daquelas páginas! A excitação que tomara conta de mim desde que eu encontrara a agenda, foi se aquietando no fundo do meu coração. Eu já não suava frio, nem sentia necessidade quase urgente em me trancar no quarto. Respirei fundo. Joguei a mochila em cima do sofá e cheguei até a mesa.
- Acho que vou comer um pouquinho, mãe... - Disse com a voz quase estrangulada.
- Então vai tomar banho primeiro... - Ela mandou. - Você tá cheirando galinha molhada...
E desgostoso de tudo, me tranquei no banheiro.

* * *
- Dona Dulce?
- Oi, Marcelo... Como vai?
- Ah, vai indo... - A mão trêmula segurando o interfone. - A Carina tá aí?
- Ah, ela tá deitada, meu anjo... - Respondeu dona Dulce. - Ela voltou da escola agorinha a pouco... Parece que ninguém achou a agenda dela...
- E... co-como é que ela tá? - Perguntei, tentando disfarçar a angústia e o bolo que me sufocava a garganta.
- Ah, daquele jeito, querido... - Comentou dona Dulce num suspiro. - Parece que o mundo acabou pra ela... Já falei que depois a gente compra outra agenda, mas sabe como ela é, né?
- Sei... - Disse num suspiro ainda maior que o de dona Dulce. - Diz pra ela que eu liguei, tá?
- Digo sim, querido... Beijinho.
- Outro...
Coloquei o interfone de volta no gancho e fui caminhando meio que de cabeça baixa até o meu quarto. Passei pela minha mãe que já começava a maratona pra voltar ao trabalho, correndo de um lado pro outro, colocando papéis e mais papéis dentro da pasta. Mal ouvi quando ela me deu tchau. Saber que a poucos metros de mim, a Carina estava lá, sofrendo por causa daquela maldita agenda, não me deixou com o astral muito bom, não... Bati a porta do meu quarto com estrondo e, pegando a mochila e deitando na cama, eu a senti novamente entre as mãos. Aquela capa tão bem cuidada... As páginas cor de creme... Tudo parecia tão convidativo, tão insinuante... Minha consciência, no fundo, ainda parecia travar um dilema igual ao de Hamlet. "Ler ou não ler? Eis a questão." Uma parte de mim, bem lá no fundinho, queria que eu lesse, nem que fosse uma página apenas... A outra parte, imaginava uma Carina arrasada, preocupada, que um sacana qualquer estivesse lendo algum segredo bem íntimo... Pensar aquilo, me fez ainda mais mal...
Não. Eu não era um sacana qualquer. Nem deveria ter me passado pela cabeça ficar bisbilhotando, querendo saber do que ela gosta, de quem ela gosta... Eu não acharia legal que fizessem isso comigo.
Eu precisava fazer a coisa certa. Minha curiosidade que se danasse! Foi com esse pensamento, de agenda em punho e coração mais leve, que já estava no hall, esperando o elevador.

* * *

"Coragem, Marcelo! Você só precisa arranjar uma desculpa, que não faça ela ficar puta da vida com você..." Eu mentalizava insistentemente esse pensamento, tentando vasculhar no meu cérebro algo que pudesse dizer. Fiquei com ódio de mim. Eu não devia ter interfonado na casa dela pra assuntar... Agora, qualquer coisa que eu dissesse, ia ser inútil! Já ficava imaginando a cara de reprovação da dona Dulce, como quem diz: "Moleque sem-vergonha! Estava com a agenda o tempo todo e não disse nada! E eu que achava que ele ia ser um genro de ouro..."
Bom, essa última parte foi uma forma que encontrei de descontrair a situação difícil que estava por vir. Enquanto esperava pelo elevador, imaginei o quanto a Carina iria me xingar, o quanto eu tentaria me explicar até que, por fim, ela virasse as costas e dissesse que não queria nunca mais me ver na frente dela... Merda! Só de pensar, dava vontade de chorar... Mas se eu tinha que fazer a coisa certa, também tinha que estar preparado pras consequências que viriam com ela... "Quem sabe ela não fique tão emocionada, a ponto de se atirar nos meus braços e me dar um beijo daqueles?" Confesso que a segunda possibilidade seria muito mais agradável, mas acho que seria um tantinho impossível de acontecer... O elevador parou no meu andar entre rangidos e solavancos. (Prédio velho é uma merda!) Assim que a porta abriu, senti vontade de girar nos calcanhares e descer de escada mesmo... Lá estava o seu Décio, um velhote enjoado e rabugento, e os netos dele (Mustafá, Germano e Afrânio) Sim, era esse mesmo os nomes deles... Eram três moleques, mas valiam por um batalhão inteiro. E o que é pior: eram os melhores amigos do mala sem alça e sem rodinha do meu irmão, o Thiago. Assim que eles me viram, fecharam a cara. Acho que eles ainda se lembravam das porradas que andei dando neles quando me encheram o saco... Entrei, desejando ao seu Décio uma boa tarde, que ele fez questão de não retribuir, apertei o botão do segundo andar e tratei de ficar bem no cantinho do elevador. Quando se tratava daqueles três, era bom não facilitar. Nunca se sabia o que eles iam aprontar. "Coragem, Marcelo... Você vai descer daqui a pouco, eles não vão ter coragem de fazer nada na frente do avô..." A porta do elevador fechou novamente e, eu pude por fim, descobrir que eles não se intimidavam com quem quer que fosse, muito menos com o avô. Mustafá olhou pra mim e, com a maior calma do mundo, começou a apertar todos os botões. Um a um. Do décimo quinto ao térreo. Não ficara um único botão sem apertar! Germano e Afrânio davam risadinhas abafadas, enquanto seu Décio contorcia o bigode me olhando feio, como se eu fosse o culpado por ele ter aquelas pestes por netos. Suspirei, imaginando que poderia muito bem descer no próximo andar e seguir de escadas.
Como eu estava enganado... Quando a porta do elevador se abriu no andar seguinte, o oitavo, entraram dona Telma e as filhas, duas meninas da minha idade, mas metidas até dizer chega. Fiz menção de sair, mas as duas nojentas me barraram a passagem. Tive que comprimir as costas na parede do elevador. Não tive tempo sequer de pedir licença.
Quando percebeu todos os botões estavam apertados, dona Telma torceu ligeiramente o nariz. Olhou feio pra mim, que olhei mais feio ainda pra ela e depois olhou pros três moleques. A viagem prometia ser longa... O elevador desceu mais um andar, o sétimo. O rangido parecia cada vez mais forte. A porta se abriu e vi, com desespero, a próxima passageira: dona Jurema. Carinhosamente chamada por todos no prédio de dona Jamanta. Ela era tão grande e tão gorda, que se houvesse o naufrágio de um transatlântico, todos os passageiros se salvariam se agarrando nela. Assim que nos viu, dona Jamanta abriu um imenso e simpático sorriso, distribuiu meia dúzia de olás e foi entrando.
- Tá lotado! Tá lotado! - Gritei desesperado, sentindo que dona Jamanta à medida que ia entrando, empurrava com sua imensa barriga, as duas filhas nojentas da dona Telma contra mim. Fiquei praticamente sem ar, comprimido entre a parede do elevador e as duas meninas. Mas apesar do sufoco, não pude deixar de sentir um certo prazer quando vi Mustafá, Germano e Afrânio, igualmente prensados contra a parede do elevador.
- Ora, Marcelinho... - Disse dona Jamanta com um sorriso. - Isso aqui é igual coração de mãe: sempre cabe mais um!
Eu não sabia se ria ou se chorava. Comprimi a agenda contra o peito, preocupado de que o peso de dona Jamanta e aquelas duas enjoadas em cima de mim pudessem amassá-la. Tudo bem se eu quebrasse uma ou duas costelas, mas a agenda da Carina, não podia sofrer um arranhão sequer! A porta do elevador se fechara novamente e, ao invés do rangido familiar, o que ouvimos foi algo bem diferente. O barulho do motor roncava e os solavancos ficaram mais fortes. Um cheiro de queimado parecia querer invadir a cabine. Dona Telma arregalou os olhos. Um último solavanco pra baixo e o elevador parou. As luzes foram falhando, falhando, até que tudo ficou na mais absoluta escuridão.
Foi um desespero só! As filhas da dona Telma começaram a gritar, desesperadas, sapateando feito doidas. Tudo bem, não fosse pelo fato de as duas estarem a poucos centímetros dos meus ouvidos e os seus pés estarem praticamente em cima dos meus. Seu Décio teve o bom senso em apertar o botão de emergência. Uma campainha soou alta. Uma, duas, três, dez vezes e nada do zelador aparecer. Com certeza o coitado devia estar em horário de almoço, puxando um ronco, sei lá... Mais uma vez, seu Décio fez soar a campainha. Uma, duas, três, vinte vezes... Nada ainda. O jeito seria esperar. Mas não seria fácil. Meu corpo todo havia ficado dormente. Tentei mexer os pés, que formigavam violentamente, mas as duas enjoadas continuavam empoleiradas em cima deles. Bom, pelo menos elas tinham parado de gritar. Todos já pareciam devidamente acostumados com aquilo quando alguém soltou um "ai".
- O que foi? O que foi? - Perguntou dona Telma em desespero.
- Meu Deus... Estou com... falta de ar... - Foi só isso que dona Jamanta teve tempo de falar. A velha simplesmente desmaiou! E como não havia espaço suficiente naquele cubículo pra uma pessoa do tamanho dela cair, ela simplesmente começou a despencar em cima de nós. O que aconteceu então, foi uma luta pela vida... Dona Jamanta vinha despencando e nós a empurrávamos pra trás. Ela despencava, a gente a empurrava pra trás. Ficamos nisso acho que uns quinze minutos, enquanto dona Telma e as filhas gritavam por socorro e o seu Décio apertava insistente, o botão de emergência. Quando eu achava que nada mais podia ficar pior, escutei alguém tendo engulhos. Pra quê! Mal tive tempo de mexer: não sei quem foi. Se foi o Afrânio, o Germano ou o Mustafá, mas um deles, gritou um hugo nervoso ali dentro. Senti a minha perna toda salpicada de vômito e o cheiro que subiu era insuportável... "E eu que queria apenas devolver uma agenda! " Pensei enquanto não sabia se sentia nojo, se empurrava a dona Jamanta pra trás e evitava morrer amassado, ou se sentia dor nos pés e nos ouvidos, com o peso e o grito daquelas duas. Aquilo pareceu uma jornada ao inferno, uma verdadeira eternidade! Dona Telma encheu a cara da pobre da dona Jamanta de bofetadas até fazer a infeliz acordar. Quando ela finalmente pareceu recuperar a consciência, ouvimos um estalido e a porta do elevador foi forçada manualmente, até abrir por completo. Até que enfim! A cavalaria chegara! Foi um verdadeiro alívio... Todos, exceto eu, saíram mais que depressa dali de dentro. Eu permaneci estático, pregado à parede. Me atrevi a dar um passo, mas as pernas não obedeciam. Tentei falar alguma coisa, mas o ar parecia me faltar... Só consegui sair dali com a ajuda do seu Humberto, o zelador. Ele fez com que eu me apoiasse nele foi me tirando bem devagar dali de dentro... Meu Deus, que mico! Que King Kong! Enquanto eu buscava forças pra massagear as pernas, ouvi uma inacreditável dona Jamanta falando com o ar mais cândido do mundo:
- Esse elevador precisa de revisão, seu Humberto... Não sei o que fez ele travar desse jeito!
Ninguém merece!
* * *
Passado todo aquele sufoco e com a perna devidamente limpa dos salpicos de vômito e já recuperada dos pisões, decidi descer até o apê da Carina de escadas. Fui descendo devagar, degrau por degrau. Era bom não abusar... Assim que terminei o primeiro lance de escadas, entendi porquê.
Uma cãimbra pareceu rasgar a minha panturrilha ao meio. Senti uma dor tão intensa, que perdi as forças. Segurei com uma das mãos no corrimão e antes que eu pudesse impedir, a agenda da Carina rolou escada abaixo, indo parar a alguns centímetros longe de mim. Sentei num dos degraus e massageei devagar a perna. Parecia que tinham fincado uma faca! Assim que melhorei, tratei de me levantar devagar. Olhei pra baixo. A agenda da Carina, ali no chão, estava aberta. Pra quem quisesse olhar. As folhas balançando suaves, convidativas. O desejo de bisbilhotar quis se apoderar de mim. Eu ainda poderia saber qualquer coisa sobre ela... Do que ela gostava... De quem ela gostava...
Não. Eu não devia. Afastei esse pensamento e desci os degraus seguintes para pegá-la do chão. Se ela gostasse de alguém, não era da minha conta! Ou melhor, seria da minha conta, se fosse de mim que ela gostasse...
"Mas se ela gosta de mim, provavelmente, está escrito na agenda..." Senti aquele diabinho fincando meus pensamentos e minha consciência com seu garfinho.
NÃO! NÃO! MIL VEZES NÃO! Eu não vou olhar!
Me abaixei para pegá-la. Continuava firme no propósito de não ler nada que estivesse escrito ali.
Mas o que vi, era tão grande, tão evidente, que era impossível não ler...
A folha estava ali. E me mostrava algo, que, no começo, eu não queria acreditar...
Segurei a agenda. As mãos tremendo, o coração palpitando forte.
Ali, na única folha que não deveria ter sido aberta por mim, ali, naquela página, estava a resposta pra minha grande dúvida.
Senti os olhos se encherem de lágrimas.
Naquela página, havia um imenso coração vermelho, atravessado não por uma, mas por várias flechas. E dentro dele, escrito em dourado com letra bonita e legível, vi desgostoso as inicias C e C.
CARINA E CRISTIANO...
Então, ela estava namorando, ficando ou sei lá mais o quê com o Cristiano Labate, da oitava C...
Eu devia saber. Era muita pretensão da minha parte achar que uma menina como a Carina, fosse olhar pra mim... Era ingenuidade minha achar que ela fosse capaz de resistir às investidas do Cristiano... Burra da menina que não topasse ficar ou namorar com ele.
Senti as pernas bambas e me vi obrigado a sentar no chão. Não era efeito da cãimbra ou dos pisões das filhas da dona Telma, mas antes fosse...
Eu não tinha mais forças pra nada, a não ser chorar. Meu coração foi se aquietando de um jeito tão assustador, que eu pensei que ele fosse desaparecer de dentro do meu peito. Era uma dor tão funda, tão terrível, tão insuportável, que teria sido melhor morrer a enfrentá-la...
E entre choros, soluços, dores que pareciam não querer acabar nunca, uma sensação de vazio, de que o mundo perdera a cor e de que todas as borboletas em meu estômago morriam de tristeza naquele instante, fiquei ali, largado entre os degraus daquela escada. Querendo que garotos bonitos como Cristiano Labate não existissem, querendo que o mundo acabasse de vez. Ou, se não acabasse, que ao menos ele fosse do tamanho de um elevador escuro e quebrado. Bem menos triste e assustador...
(Continua)

2 comentários:

  1. Lucas tão empolgante, tão jovial, tão divertida sua narrativa.
    Uma literatura juvenil envolvente, com grande detalhes de como é uma vida na sua realidade, num prédio, nos embaraços de ficar preso em um elevador, da visão das pessoas, dessas coisas simples que estão no nosso dia, e um romance juvenil muito bom de se ler.
    Gostei demais.

    Grande Beijo!

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  2. Lucas obrigada pelo comentário tão carinhoso no meu blog.

    Estou com muitas saudades de te ler.
    Volte a escrever!

    Grande Beijo.

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